*Rangel Alves da Costa
Já
chegando o entardecer, já se aproximando o momento do candeeiro do sol se
apagar, já surgindo a boca aberta da noite. E depois a lua, depois os noturnos
sertanejos, depois os grilos e o farfalhar das sonolentas folhagens. Assim os
passos sertanejos de Poço Redondo.
O pão
quentinho e saboroso na Padaria de Tio Luiz, as últimas compras nas vendas e
mercadinhos, as cadeiras nas calçadas, os amigos em proseado pelos quadrantes
de cada canto. Meninos brincam de bola, garotos passam com gaiolas de
passarinhos. Janelas e portas são abertas e são fechadas.
Entardecer
chegando, noite batendo à porta, mas quer tomar um banho e não pode. Abre a
torneira e não cai um pingo d’água. E assim dia após dia, num desmedido
desrespeito à população. E não adianta reclamar. Parece que quanto mais reclamações
mais agem propositalmente para deixar o povo desguarnecido de água limpa.
Quando
cai, a água mais parece um suco de barro do que qualquer outra coisa. Mas a
conta chega certa pra pagar, e já foi anunciado um novo aumento. Quando a conta
não é paga no tempo certo, logo aparece que faça o desligamento. Quer dizer,
mesmo sem água há cobrança, e sem pagamento há o corte imediato.
Logo mais,
os fogões estarão preparando os jantares, as mesas serão postas segundo o que
dispuser a família. Em alguns lares, as sombras do almoço, as macarronadas, as
carnes de sol com cuscuz, macaxeira ou inhame. Em outras apenas o cuscuz com
ovos ou mesmo o pão com tiquinho de café e sem manteiga.
Mas em
muitas outras - em muitas outras mesmo - apenas as feições entristecidas dos
pais e os choros famintos dos filhos. Quando muito um pão para enganar a fome,
ou o pão repartido em dois na ilusão de que o adormecer será de barriga cheia.
Alegrias,
sorrisos, angústias e sofrimentos em meio ao povo desse mundo-sertão, desse
Poço Redondo que traduz nas suas agruras e grandezas todo o viver sertanejo. Em
Poço Redondo todo o retrato de um sertão tão sertanejo que não haveria outro lugar
como exemplificação.
Mas agora,
em instantes de calor mais amainado, uma brisa boa vai soprando ali e acolá.
Maria chegou cansada carregando na cabeça um pote. Assim acontecia noutros
tempos, mas agora o modismo forçadamente retornou. Muita gente achou estranho o
pote de Maria. Muita gente vai ficar sem água. E Maria não.
Na sua
caminhada com o pote, ao longe o seu cantarolar:
Dias de
destino e de sorte
para
sorrir mesmo no sofrimento
e tentar
viver tendo a morte
e viver a
cantar no tormento
uma velha
canção de um realejo
quase
assim como um lamento
num povo
de viver sertanejo.
Assim a
canção dos dias, assim a canção da vida e do viver sertanejo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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