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quarta-feira, 2 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (6)


                                                               Rangel Alves da Costa*


A voz de sua mãe era inconfundível, de uma doçura de fazer filho obedecer com felicidade. Mas não podia ser sua mãe. Ela não vivia mais ali já fazia muito tempo, estava morta, existindo apenas na recordação.
Voltou a ouvir a voz: “Tirei o bolo de macaxeira agorinha do forno. Você gosta dele ainda quentinho. Então venha Crisosta, venha logo minha filha...”.
Mas não podia ser. Também não duvidava de ter ouvido a voz, e voz de sua mãe. Aquele jeito dela falar jamais poderia esquecer. Voltou-se para os lados da porta e se sentiu amedrontada.
Não por medo de sua mãe. Um temor diferente, um receio assustador por aquilo de repente ter acontecido. E não haveria como não ficar espantada ouvindo uma voz, qualquer voz.
Não lembrava claramente como era uma voz, o que ela poderia dizer, como era pronunciada a palavra, por que ela existia e para que servia. Mas a voz havia chamado o seu nome e dito coisas que somente uma pessoa que a conhecia poderia dizer.
Deu mais um passo à frente e procurou enxergar melhor através da porta. Não avistou nada, nenhum vulto, nenhuma sombra, não ouviu mais nenhum barulho. Dirigiu-se para os lados da janela para fazer o mesmo. E o seu olhar nada pôde encontrar.
Mas não deve ser nada, logo pensou. A ventania soprando nas folhagens, passando por cima das pedras, fazendo suas curvas por onde passa, é bem capaz de provocar sussurros, murmurejos, vozes. Pensou. Então tinha sido mesmo o vento dando a impressão de ter ouvido sua mãe falar.
Será que o vento tem a voz tão suave e tão parecida com a da minha mãe? Por que o vento iria se preocupar com o meu resfriado? E como ele sabe que eu gosto tanto de bolo de macaxeira, e ainda quentinho? E por que o vento me tratou assim feito criança, como sua filha? Crisosta se punha a indagar.
Não podia ficar ali fora, tinha que entrar em casa, tinha que voltar para sua cadeira de balanço. Ficaria ali sentada para ver se cavalo e cavaleiro apareciam novamente. Eles surgiram ao longe na estrada, foram chegando mais perto, e por isso não poderiam ter sumido assim de repente.
Como não havia o que fazer, decidiu que havia ouvido mesmo a voz do vento e com essa sentença na cabeça foi ultrapassando a porta de casa. Ao colocar os dois pés e olhar para os lados da cadeira, percebeu algo que nunca tinha visto acontecer.
A cadeira de balanço se balançava como se alguém tivesse levantado dela naquele mesmo momento. Colocada ali pertinho da janela, não era nada demais se o vento entrasse e começasse um leve balanço. Contudo, não podia ser isso que havia acontecido.
E não podia porque o balanço era realmente de quem havia saído dali no mesmo instante, deixando o assento num vai-e-vem que aos poucos ia diminuindo. E para aumentar essa sensação, sentia como se uma presença invisível ainda estivesse ali.
Passou a mão pela testa para sentir se estava febril, mas nada constatou. Encaminhou-se para os vãos de acesso às outras dependências da casa, lançou o olhar para ver se avistava alguma coisa. Nada. Contudo, a sensação de presença continuava na sala.
Logo passará isso que não há de ser nada. Talvez o vento novamente pregando das suas. Achou melhor pensar assim enquanto se dirigia para a cadeira. Sentada ali, olhando para o mundo lá fora, esperando a chegada do cavalo e cavaleiro, logo esqueceria essa ligeira impressão.
Sentou na cadeira e sentiu como se estivesse sentando num colo, por cima de alguém que estava ali sentado, mas não com o volume de um corpo. Apenas a impressão de estar sentada num colo macio. E sem querer sentiu a cadeira balançar, de forma suave e contínua.
E a voz surgindo novamente ali pertinho, bem ao seu ouvido. Agora num canto, numa cantiga de ninar antiga que sua mãe cantava para fazê-la adormecer:
“Dorme neném que a cuca vem pegar, papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar. Desce gatinho de cima do telhado, pra ver se a criança dorme um sono sossegado...”
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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