SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 5 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (9)

                                         
                                                     Rangel Alves da Costa*


Crisosta logo voltou trazendo alguma coisa na mão direita. Mantendo-a fechada, só abriu um pouquinho para colocar o pequeno objeto dentro da mão do irmão. Depois disso, fechou-a e apertou bem, como se estivesse depositando ali algo muito valioso e que temia cair.
Ainda segurando a mão, dessa vez colocando-a entre as suas, olhou bem no fundo dos olhos do parente, e lacrimejando mais uma vez disse que agora ele podia abrir, mas que tivesse cuidado. Certamente não quebraria, porém abriria uma profunda cratera no coração.
Ao abrir a mão, o rapazinho foi surpreendido com o que avistou ali. Era uma pequena pedra, toda branquinha e parecendo trabalhada, dessas que todo mundo que encontra tem vontade de guardar no bolso. Fazem assim com as conchas da areia, com as lembranças trazidas pelas ondas.
Mas era apenas uma pedrinha. E uma simples pedrinha, dessas que se encontram nas beiradas dos rios, dos riachos, das praias, nos lugares mais inusitados. Aquela especialmente tinha sido encontrada por Crisosta por cima das pedras grandes do riachinho que ficava ali por perto. Achou aquele objeto tão encantador, diferente, parecendo um amuleto da natureza, que resolveu trazê-lo consigo.
Desde então, e não sabe bem por quais motivos, o singelo amuleto lhe serve como verdadeira guia nos momentos de aflição, de desesperança, de saudade, de angústia. Segurando-a na mão, levando junto ao peito, pertinho do coração, sempre se sente mais aliviada, mais fortalecida.
Estava com ela já desde uns cinco anos. Já havia sido banhada até em água benta, adormecida muitas vezes debaixo do seu travesseiro e até aquele momento guardada sob a proteção dos santos no oratório.
J á havia contado a seus pais sobre ela. Sua mãe achou tão encantadora que pediu para colocá-la aos pés da imagem do Senhor presente num cantinho da sala. Mas a dona disse que já estava prometida a outro lugar também abençoado. Logicamente ao seu oratório.
Presente de uma tia moradora muito distante, velha beata e fervorosa religiosa, era realmente de singela beleza o pequeno oratório que a mocinha mantinha no quarto. Pequena igreja rústica que talvez fosse povoada também por minúsculos anjos, tal era a fé e devoção da mocinha. Casa de Nossa Senhora da Conceição, do Nosso Senhor Jesus Cristo, de Santo Expedito, de São José e outros santos.
Nessa casa de madeira rústica nobre vivia a pedrinha ao lado da santidade. E santificada também já estava, ao menos na concepção de sua dona Crisosta. Como uma Nossa Senhora Aparecida encontrada por pescadores, ela também havia encontrado aquele objeto de devoção por um destes acaso da vida que acabam confirmando mais tarde a força de um destino há muito escrito.
Mas esse destino, se radiante e glorioso, agora seria repassado para o irmão. Só Deus sabe como aquela pedrinha saía de seu oratório, de sua presença, de sua vida. Contudo, sentia imperiosa necessidade de presenteá-la, como o fez, ao irmão. Com a irrevogável decisão de ir embora por uns tempos, talvez ela servisse de proteção, de luz diante das necessidades e dificuldades que certamente enfrentaria.
Assim ele fez como ela pediu, guardando a pedrinha com o maior cuidado do mundo e não esquecendo de todo santo dia tirar um minutinho para colocá-la na mão, lembrar da família e pedir sorte e proteção a Deus.
E já no outro dia ele colocou a pequena maleta ao pé da porta. Não demorou muito e apontou o caminhão que o levaria até outro lugar. Dali pegaria outro transporte para seguir adiante, e assim indo em frente até a selva de pedra. Um mundo diferente, um bicho desconhecido e perigoso demais.
Seus pais choraram por dentro, sofreram terrivelmente. Com ela foi tudo mais visível. Pela primeira ela viu e sentiu a força de um rio correndo no seu âmago, cuja nascente no olhar jorrava impiedosamente.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: