Rangel Alves da Costa*
Se tudo tinha de ser silêncio e solidão, como uma sina de desesperança na vida, então teria que se acostumar em conversar com o silêncio e encontrar-se a si mesma na solidão. Era a palavra e a presença em si e consigo mesma.
Não tinha como sair dali, ir embora, tomar outro rumo na vida. Não tinha aonde ir, não conhecia ninguém, parente era coisa que nunca ouvia falar. Ademais, não podia simplesmente fechar a cancela de tudo ali construído, ainda que fosse quase nada, e seguir adiante.
Não podia fechar a porta de casa, abandonar tudo ali dentro, esquecer o pedaço de chão que arduamente sua família mantinha, abandonar um resto de gado magrinho que ainda pastava esfomeado por cima dos garranchos ressequidos.
Mas era realmente uma situação muito difícil. Era jovem, mocinha ainda, e não queria envelhecer ali dentro, permanecer para sempre naquela situação. Se o tempo fosse passando e ela fechada naquele mundo de desilusão, não duraria muito e não se reconheceria mais como gente.
Com o tempo, a mocinha bonita, de olhar encantador, de boca que queria aprender a sorrir, se tornaria um ser disfarçado na própria paisagem, um ser existente apenas porque morava ali. Talvez um bicho do mato, uma pedra solitária, um açoite do vento, uma cor de lua, um brilho de sol. E a terra, o pó, a poeira, tudo ou qualquer coisa que houvesse naquelas paragens.
Não, não queria isso não. Mas quanto difícil seria cortar o laço que a prendia naquele mundo. Se fosse passarinho conheceria a distância e a nuvem, o alto das coisas e os escondidos dos ninhos. Mas era apenas uma mulher. E mulher era pra nascer e viver assim na desesperança da vida?
Sabia que existia uma coisa chamada amor, também outra coisa chamada namoro. Sua irmã havia namorado e casado por amor. E casou para ter um relacionamento mais íntimo, mais afetivo, mais prazeroso. Assim deveria ser a vida de uma mulher normal. Ao menos era isso que pensava.
E sabia também que havia muitas coisas boas que uma moça poderia fazer namorando e outras depois de casada. Mas nem pensava em sexo, apenas uma imensa e absoluta vontade de algum sentir na própria boca o que era um beijo, qual a sensação que a pessoa tem ao tocar seu lábio no outro. E principalmente beijar suave e docemente na boca de quem tanto se gosta.
Mas o que seria gostar, o que seria namorar, o que seria beijar? Ah, como gostaria que a vida lhe permitisse essa mínima felicidade. Todas as vezes que ficava na janela ao entardecer pensava nisso e até beijava a mão como se fosse o lábio moreno de alguém. E os tempos eram outros, eram de maior prazer na vida com a presença do pai e da mãe. Depois disso...
Depois disso, a situação de agora. Já era tarde, passando o tempo viria a noite, e depois o fechar a porta e o tentar adormecer. Sabia que não dormiria, que o sono tão cedo não chegaria pesado aos olhos. Não tinha medo de estar sozinha nem de ficar sozinha, de lembrar seus parentes mortos, de conviver como se estivesse na presença deles.
O seu medo maior era outro, bem outro. E era ter de fechar a porta e abri-la novamente na manhã seguinte, e dia após dia assim, como se sua eternidade fosse para abrir e fechar porta, amanhecer e anoitecer, sentir o passar sem a sua vida sair do lugar.
Arrumou todas as roupas de seu pai e sua mãe, todos os objetos pertencentes a eles, colocou tudo dentro do guarda-roupa e fechou as portas de vez. Nunca mais abriria aquele móvel. As lembranças visíveis ficariam ali guardadas, enquanto ela apenas procuraria não se entregar demais aos pensamentos.
Limpou e varreu toda a casa, foi juntando no quintal aquilo que não mais queria, ajeitou os quadros de santos e as fotografias nas paredes, mudou o mobiliário rústico de lugar, deu uma nova feição à solitária moradia.
Se era pra continuar eternamente ali, então que a solidão tivesse a sua feição.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário