Rangel Alves da Costa*
Não apenas porque acabou cochilando boa parte da tarde, mas a verdade é que Crisosta não conseguiu dormir bem durante a noite inteira. Pensou muito em seu irmão que continuava distante e não mandava notícias.
E acabou lembrando que ele ainda não sabia de nada da morte de seu pai, de sua mãe nem de sua irmã. Precisava arranjar um jeito de avisá-lo. Uma cartinha talvez, porém o endereço que ele havia colocado na correspondência enviada certamente que não ia ajudar em nada.
Mas quem sabe ele faria uma surpresa e apareceria qualquer dia na curva da estrada. Coisa muito difícil, sabia. Mas o alento maior estava na lembrancinha que ela o entregou antes de viajar. Aquela pedrinha abençoada não permitiria que ele jamais se afastasse de vez da família.
Pensava assim porque continuava achando que o irmão tinha levado o amuleto consigo. Mas não. Antes de seguir pela estrada jogou o presente da irmã por ali mesmo, nas redondezas da casa. E ainda continuava lá sem ela saber. Quem sabe um dia, caminhando despreocupada por ali, os olhos avistassem a sua verdadeira relíquia.
Pensamento maior e mais duradouro, tomando grande parte da noite e madrugada foi esse não. Foi outro. De repente se viu nos passos do menino caçador, do seu amiguinho fujão, imaginando onde ele poderia estar dormindo naquele momento.
Menino traquina, desrespeitoso do chamado dos pais, ainda assim não podia ser maltratado nem perseguido feito bicho fujão. Se ele escapou para não deixar sua terra, então era porque havia um motivo muito forte para tal. Ninguém se embrenha no mato fugindo de uma viagem sem ter uma justa explicação.
Não é todo mundo que parte satisfeito para um lugar estranho e deixa pra trás tudo que foi construído. Ainda que pobre, vivendo ao pão da precisão, certamente alguma riqueza encontrava onde vivia e por onde andava.
Talvez pensasse que o mundo ao redor era dele, a mataria era dele, os ninhos dos passarinhos eram dele, os animais, as pedras, as folhagens, os seres encantados, tudo era dele. Na pobreza, não havia no mundo ninguém mais rico do que ele.
Tinha uma fazenda de ponta de vaca, tinha cavalo alazão de cabo de vassoura, tinha um céu, tinha um horizonte, tinha um sol, tinha uma lua, tinha uma estrela. Só faltava comida de vez em quando, mas o resto tinha tudo. Até roupinha remendada e calçado furado ele tinha como riqueza.
Por tudo isso, porque o menino era assim tão especial, tão amigo e servidor nas horas mais difíceis é que ela tinha de tomar uma posição a respeito, fazer alguma coisa urgente. O problema é que não sabia se ele já havia voltado pra casa, já tinha sido encontrado ou mesmo se já havia seguido viagem com a família.
O seu medo maior era de que seu o pai, certamente raivoso pela desastrada atitude do menor e no afã de viajar logo, sair daquela vida de vez, tivesse saído pra procurá-lo munido, além da raiva, de corda grossa e chibata de couro cru.
Deus não permitiria que fosse assim, mas temia que ele fosse encontrado e judiado. Chegava a molhar os olhos ao imaginá-lo sendo agredido, amarrado, puxado feito bicho brabo, todo lanhado de chicotadas. Depois de sofrer ainda ser jogado em cima de um pau de arara para seguir rumo ao desconhecido.
Sabia que era uma situação complicada para os pais resolverem. Já tinham vendido tudo, já estavam com viagem marcada, com tudo programado e talvez até com destino certo. Será que partiriam deixando o menino para trás ou fariam tudo para encontrá-lo antes de seguir adiante?
Passou o dia inteirinho assim entristecida, olhando para os matos, para as veredas, para os caminhos, para as curvas das estradas. Pensava tanto no menino que parecia avistá-lo surgindo adiante. Mas nada. E depois o mesmo entristecimento, a mesma esperança, a mesma expectativa.
Mas no dia seguinte, assim que voltasse para falar com o responsável pela venda de suas vaquinhas, resolveria de vez essa angustiante situação.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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