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terça-feira, 15 de maio de 2012

O HIPOTÁLAMO DO HIPOPÓTAMO HIPOCONDRÍACO (Crônica)

                                  
                                                          Rangel Alves da Costa*


O hipopótamo está um com enorme problema, um imenso transtorno pra resolver.  E muita gente está na mesma situação e não diz a ninguém. Talvez tenha medo ou vergonha de revelar, mas pela magnitude da situação não haverá mesmo jeito.
O hipopótamo tenta fingir sua enrascada mergulhando na água, deixando, às vezes, somente parte da cabeça de fora. Mas não tem jeito. Mamífero grande e rechonchudo com é, de cabeça enorme e truncada num focinho largo e arredondado, não é todo lugar que lhe aceita como esconderijo.
Certos seres humanos são maiores ainda, mas não porque sejam gordos demais ou de estrutura física fora dos padrões normais, e sim pelo tamanho que a cabeça alcança de vez em quando. Problemas e mais problemas, situações que surgem e vão logo provocando a síndrome de hipopótamo: o tamanho do problema impede que seja escondido.
No mamífero, a situação complicada começa quando o hipotálamo está hipocondríaco, ou seja, quando parte do cérebro – onde há controle funções importantes como o sono, a temperatura corporal, o apetite etc. – entra em pleno estado de morbidez. E haja tristeza, melancolia, vontade de sair dessa para uma melhor. Ou pior, como geralmente acontece.
Explicando melhor, sendo o hipotálamo o centro regulador de várias funções orgânicas, ao surgirem problemas de hipocondria - depressão mórbida do espírito; afecção mental caracterizada por pensamento e preocupações voltados para o próprio estado pessoal sem razão real para que isso ocorra – tudo parece desabar.
E o hipopótamo procura desabar exatamente nas profundezas da água, como forma de fugir da cruel realidade. Mas não consegue, nunca consegue, eis que toda vez que sobe para respirar é avistado por um gaiato que logo grita que ali está o medroso, o que tem medo da realidade, o que não tem coragem de enfrentar as situações.
Diz isso sem saber nada sobre o pobre do hipopótamo, sobre os reais motivos de querer estar assim fugindo do mundo e de tudo. Zomba, faz gritaria, escarnece, porém sem saber que aquele bicho enorme, de pele dura e parecendo almofadado, na verdade não passa de um pobre coitado, de um injustiçado na vida.
Por cima daquele corpão descomunal existe um ser frágil e por dentro daquele barril mora um sentimentalismo tamanho que é até difícil descrever. Podem até achar ridículo, mas muitas vezes o imenso mamífero já foi visto ajoelhado aos prantos, chorando copiosamente e dizendo palavras amorosas animalescas.
Outras vezes foi avistado todo saltitante, fazendo corrupios no ar e tendo à mão um buquê de flores. Não era outro não, mas ele mesmo pisando todo mansinho, devagarzinho, jogando pedrinhas lá pelos lados do reduto da hipopótama. Mas que ser cruel essa hipopótama. Foi ela a causadora de toda hipocondria que num abalo terrível afetou o hipotálamo do coitado.
Animal sofre, e muito. E o homem também, por mais que queira fingir. A síndrome do hipopótamo traído, achincalhado na alma, envergonhado no espírito, corneado por quem tanto amava, possui consequencias imediatas no ser humano. É por isso que quando é afetado pela desonra da mulher ou por qualquer besteira que o próprio fez, a primeira coisa que pensa é seguir o mesmo caminho do hipopótamo: procurar um lugar pra se esconder.
Contudo, há uma sutil diferença entre os dois. O hipopótamo se esconde não por vergonha dos outros, não porque queira fugir dos olhares e comentários, e sim para se ausentar do mundo visível em si e ali, debaixo da água, reencontrar forças para emergir mais forte ainda. Já com o homem é um pouco diferente.
Por mais valente e com jeito de violento e agressivo que seja, o ser humano se dobra em si mesmo todas as vezes que se vê afetado na honra, na sua macheza. A coisa que mais teme na vida é saber que está sendo traído e que os outros conhecem tal fato. E como não pode acabar com o mundo nem dar fim à mulher que continua amando, corre a se esconder, a fugir dos olhares e das bocas. A ser um corno escondido.
Daí a hipocondria mórbida se instalando no hipotálamo em forma de vergonha. Mas é também usual que a hipocondria se instale na parte exterior da cabeça, em forma de chifres. Aí já tem outro nome.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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