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segunda-feira, 28 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (33)

                                        
                                                            Rangel Alves da Costa*


A terra estava marcada de vermelho, o chão estava manchado de sangue. Eram apenas pequenas marcas já absorvidas pela areia, mas não havia dúvida da passagem por ali de algo ou alguém com ferimento.
E porque não estava apenas num local, mas seguindo adiante como numa trilha, Crisosta logo percebeu que o gotejamento começava após a saída do abrigo e seguia em direção à mata.
Caminhou um pouco mais, porém as manchas já se dissipavam. Apenas uma pequena mancha ali e acolá. Não havia sido muito grave, pensou. Do contrário o rastro vermelho ia muito adiante. Mas o que teria sido aquilo, coisa de animal machucado ou de gente ferida?
Se fosse de gente só poderia ter sido do menino, pois a camisa e a baleadeira ainda estavam lá. Se saiu correndo ou foi levado, tudo foi muito rápido para não dar tempo de recolher suas coisas.
O cachorro continuava latindo e farejando por todo lado, mas não dava nenhum sinal de ter encontrado qualquer coisa. Então ela resolveu ir um pouco mais longe seguindo a trilha desde o local onde o gotejamento acabava de vez.
O mato seco estava com caminho aberto. O que havia passado por ali deixou suas marcas no chão de terra sulcada, nos galhos quebrados, nas folhagens caídas. Mas de repente tudo voltou ao normal, sem indicadores ou pistas que a fizessem seguir por qualquer direção.
Parou, ficou olhando atentamente ao redor, começou a gritar pelo nome do menino, porém nada de ouvir resposta. Mandou que o cachorro fosse mais adiante, fosse mais longe até onde pudesse para ver se encontrava algum sinal. Conhecedor dos segredos e caminhos dali, certamente que ele saberia voltar quando quisesse.
Entristecida, com os olhos cheios de lágrimas, com o coração a tempo de explodir, sentou numa pedra, colocou a cabeça entre as mãos e soluçou aflita. Temia que aquele sangue fosse do seu amiguinho, que ele agora estivesse correndo perigo de morrer, que estivesse precisando de ajuda urgente. Mas como, onde ele estaria?
Jogou os joelhos por cima da terra, ergueu os braços para os céus, e orou em voz alta, invocando Nossa Senhora dos Remédios:
“Virgem soberana rainha do céu e da terra, estrela resplandecente, Senhora dos Remédios, sede o remédio eficaz aos males que acaso tenha sofrido aquele pequenino, curando as suas dores, suas aflições, os seus martírios. Livrai o pequenino das feridas, das mordeduras dos bichos do mato, do ataque dos inimigos que rondam as pessoas de bem, enxugai o seu pranto, aliviai a dor que esteja sofrendo, livrai de qualquer perigo em que esteja, livrai das ciladas que foram armadas. Lançai, Nossa Senhora dos Remédios, os Vossos misericordiosos olhos em torno dele. Lançai Virgem Santíssima sobre ele os Vossos olhos de piedade com aquela ternura e amor com que lançastes ao Sacrossanto cadáver de Vosso adorado Filho, Jesus Cristo, quando Vos entregaram tão cruelmente maltratado. Se Vos compadecestes desses ingratos algozes como não fareis a mim que choro implorando em nome do pequenino, que clamo contra tanta impiedade para com Deus tão bondoso. Rogai Senhora dos Remédios ao Vosso amantíssimo Filho pelo pequeno pecador, que se agiu errado foi mais pela inocência do que por vontade própria. Amém”.
Ficou ainda uns cinco minutos ajoelhada, agora de cabeça baixa, contrita. Porém não rezava mais, não fazia oração, não pensava em nada. Continuava assim porque sem saber mais o que fazer, sem pensar em levantar e dar o próximo passo.
Estava cansada, exausta, exasperada, parecendo que havia uma ferida aberta por dentro. Enfim se ergueu novamente e tentou ouvir alguma coisa, algum som vindo do cachorro. Nada, apenas o silêncio sufocante. Decidiu retornar e esperar que nada de mais grave tivesse ocorrido com ele.
Já caminhava de saída do lugar quando ouviu fortes latidos. Conseguiu forças para correr naquela direção e sabia que ia no caminho certo porque os sons se tornavam cada vez mais próximos. De repente avistou o cachorro totalmente desesperado.
Num latido choroso, rodeava sem parar um corpo que estava estendido no chão. Assim que olhou mais atentamente soltou um grito aterrorizante, verdadeiramente espantoso.
Continua...
 

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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