Rangel Alves da Costa*
Chegou o vermelho do entardecer. E que colorido bonito, com o céu afogueado, com o tempo ainda quente, porém com a natureza já se preparando para a hora da Ave Maria. Ainda faltava muito, é verdade, principalmente quando ali tudo passava mais lentamente.
Era debaixo dessa viagem da tarde que Crisosta permanecia desacordada. Exausta, carregada demais de sofrimento e dor, continuava desmaiada. Talvez nem tivesse mais completamente sem sentidos. Talvez nem tivesse mais inconsciente.
Mas o abatimento do espírito era tanto que talvez nem tivesse interesse em levantar, encorajamento para tal. E nunca mais. Ficaria ali, daquele mesmo jeito e naquela posição, até morrer completamente. Ora, já estava um tanto morta pela perda do pai, da mãe, da irmã e do sobrinho que não pôde ter.
Por ali chegaram sua mãe ossuda e sua irmã esbranquiçada. Todas envoltas em miragens, em anuviamento do outro mundo, ainda que em pleno entardecer e no meio do tempo. Mas não fazia medo a ninguém. Também não havia nenhum olhar para confrontar as aparições.
A mãe ainda como havia morrido há instantes atrás, um resto de gente; a irmã como visagem, como alma realmente em visita de despedida. Carregava ainda o seu filhinho também morto nos braços. Em pé, se puseram ao redor da mocinha estirada no chão e choraram.
Como seria choro de morto, de alma do outro mundo? Da lágrima escorrendo ninguém sabia, mas da dor não haveria de duvidar, pois aqueles semblantes eram de entristecimento cortante. De qualquer forma, era como se os mortos estivessem sofrendo pelos vivos. Tal era a triste situação.
Os defuntos sumiram antes que o menino caçador de passarinhos mais uma vez chegasse por ali correndo. Menino tem medo de perder a baleadeira, de furar o pé em espinho, mas não de alma do outro mundo. Mas nem viu nada, nem percebeu pelo ar as estranhas visitas.
Estava por ali porque região de sua caçada, de sua busca por passarinho pra torrar na brasa e matar a fome. Por isso que de vez em quando avistava a mocinha ali na janela. Foi ele quem correu para avisar aos conhecidos sobre a morte do pai dela.
Dessa vez não havia sido ela que o havia chamado, mas ele que ao longe avistou algo estranho e correu até ali. E confirmou o que havia pensado. Tinha realmente uma pessoa ali deitada no chão. Estaria morta?
Indagou-se antes de chegar perto dela e balançá-la, perguntando se estava bem e o que tinha acontecido. Como ela nada respondeu, voltou em disparada, carreira esta que só parou em casa, quando avisou à sua mãe sobre o que tinha visto. E a pobre mulher correu pelas cercanias para chamar alguém da vizinhança para acompanhá-la até o local.
Apressadas, quase correndo, as três vizinhas começaram a dar graças a Deus quando, ainda ao longe, avistaram alguém se movendo e como se quisesse arranjar forças para levantar. Uma gritou que não se mexesse que já estavam chegando, outra gritou já perguntando o que tinha acontecido.
A mãe do menino ajudou Crisosta a levantar enquanto pedia a outra que fosse até lá dentro buscar uma caneca d’água. A mocinha continuava silenciosa, com os olhos semiabertos e com o corpo queimando da terra quente. Os braços estavam avermelhados e principalmente o lado do rosto que ficou rente ao chão por tanto tempo.
Ainda mole, sem poder levantar sozinha, sem dizer uma palavra sequer, apenas apontava pra dentro de casa. Sem entender bem o que ela queria dizer, informar que sua mãe estava morta em cima da cama, as duas vizinhas diziam apenas que não se preocupassem que já iam levá-la para dentro.
E nesse momento ouviu-se um grito horrendo lá dentro da casa.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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