Rangel Alves da Costa*
Um pouco mais tarde Crisosta saiu tangendo cuidadosamente as vaquinhas magricelas. Não podia de jeito algum continuar mantendo-as no pasto. Não tinha mais nada que comessem nem bebessem. Ela não tinha meios de melhorar essa situação.
Ela mesma quase passando fome e sede. Sua intenção agora era encontrar comprador e com qualquer vintém arrecadado tentar sobreviver por algum tempo. Tudo dependia da chuva, tudo dependia da trovoada, do verdejar da mataria novamente, da terra ficar molhada e faminta por semente.
Mas por enquanto a situação era bem diferente. Triste, estarrecedora, de cortar coração mesmo. O olhar chegava a se assustar com o que ia encontrando pela estrada. Tudo deserto e feio, marrom, acinzentado, em meio a um calor que parecia querer esturricar tudo ao redor.
Estava levando seu gado mas não era pra cidade não. Já estava tanto tempo sem botar os pés na cidade que nem tinha vontade de retornar. Não tinha nada a fazer lá não. Não tinha compra a fazer, não conhecia ninguém, não tinha um amigo sequer por lá.
Seu destino era mais pra perto, pelos terrenos na vizinhança. Ia parar em cada porteira e perguntar se sabiam quem estava disposto a comprar aquelas cabeças de gado. Se dissesse carcaça com couro por cima não estaria mentindo não.
Sabia que nessa época um ou outro se aproveitava da precisão do criador para comprar seu rebanho por uma ninharia. Comprava o gado magro, imediatamente alimentava-o para ganhar forças e depois mandava tudo para pasto em lugar mais distante e onde tivesse palma e capim. Depois da engorda era lucro certo.
Daí que a seca, o sofrimento do povo, também gerava esse tipo de desumano comércio. Quem tinha dinheiro comprava tudo do necessitado, expulsava o homem da terra, e depois teria o lucro certo. Quando a chuva caísse então aumentava a divisão social, com alguns ricos e a maioria ainda mais empobrecida.
Mas era assim mesmo e não havia nada que fazer. Seguiu adiante exatamente para se submeter a isso. A necessidade já havia se instalado de vez e não tinha outra opção. Só havia um problema ainda mais sério a resolver: não sabia quanto poderia valer aquela riqueza magricela de quatro patas.
Pensou e pensou e só encontrou uma solução para não ser completamente enganada. Agiria pela confiança. Assim, confiaria suas vaquinhas a um daqueles sertanejos para vendê-las e do valor obtido repassaria uma parte para o vendedor.
E assim foi feito. Logo na primeira cancela que bateu apareceu um daqueles que havia estado lá em sua casa tanto no velório de seu pai como de sua mãe. Era morador antigo ali, pessoa que conhecia daquela realidade além da conta.
O sertanejo olhou as vaquinhas e disse que poderia procurar o mesmo comprador que havia adquirido o que possuía de bicho. Avisou que nem esperasse muita coisa, pois praticamente pagavam o quanto queriam. Sabiam da necessidade do desvalido e impunham o preço que quisessem.
Desse modo o gadinho foi entregue em confiança para ser vendido. Dali a dois dias que ela retornasse para ver se já havia conseguido alguma coisa. Depois, avistando o cachorro, perguntou se aquele não era o mesmo farejador pertencente ao meninote caçador.
Crisosta respondeu que sim e explicou porque ele estava em sua companhia. E o homem então disse que os pais do menino andavam desesperados atrás dele, vez que já estavam com viagem marcada e parecia que havia fugido de casa.
A mocinha perguntou se ele tinha mesmo certeza disso e o sertanejo confirmou, afirmando ainda que os pais sabiam que ele havia fugido porque passou na casa de um vizinho e pediu pra dizer a seu mãe que fizesse uma boa viagem, mas que ele não ia não. E saiu correndo mata adentro.
Crisosta lançou um olhar sobre as estradas, sobre a mata e os descampados como se pretendesse avistá-lo. Despediu-se e disse que tudo estava certo conforme o combinado e que dali a dois dias voltaria.
E pegou o caminho de volta sem pensar noutra coisa senão na atitude do menino, seu amiguinho. E se indagando onde ele poderia estar naquele momento.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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