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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 29 de maio de 2012

NAVEGANTE SEM PORTO (Crônica)

                           
                                                    Rangel Alves da Costa*


Um dia acordou cedinho, caminhou até a beirada da água, molhou os pés, lavou o rosto, e de olhos mais abertos para o mundo se pôs a olhar para os lados e para o horizonte.
Com o coração cheio de felicidade, sorriu para as paisagens ao redor e disse a si mesmo que era hora de partir, de colocar o barco mais adiante nas águas e conhecer um mundo novo e outras realidades.
Queria conhecer outras realidades, principalmente as belezas das ilhas distantes e dos portos desconhecidos que certamente lhe dariam guarida. Tinha a máxima convicção que igualmente ao maravilhoso mundo em que vivia, outros lugares distantes estavam assentados na paz e tranquilidade.
Ora, já estava até cansado de estar ali na sua beira de mar vivendo instantes maravilhosos dia após dia, sem nada que trouxesse maiores preocupações, bem como de ter conhecimento de que as cidades viviam em grande prosperidade e bonança, com pessoas comungando as grandes realizações e as belezas da vida.
No mesmo dia fechou a porta do barraco, se despediu da pedra grande onde sentava ao entardecer, da concha na areia que mantinha sempre no mesmo lugar, da sereia que namorava de vez em quando, colocou alguns pertences dentro do barco e partiu singrando os mares, tomando rumo ignorado.
Como já afirmado, deixou seu lugar num tempo de riqueza da vida e fraternidade entre as pessoas, num tempo de compartilhamento e comunhão, em dias de pacífica convivência e grandes realizações em proveito da humanidade. E esperava encontrar essa mesma feição ao retornar, pois um dia, qualquer dia desses no calendário da vida, retornaria feliz e realizado ao seu porto, ao seu barraco, às suas maravilhosas paisagens.
Navegou durante cinquenta anos sem aportar em lugar algum, apenas passando por ilhas desertas e rochedos que eram verdadeiras cidades. Não passou fome nem frio, não sentiu saudade nem solidão, fez amizade com peixes, tubarões e gaivotas. Vivia contente e seguia em frente sem pensar em voltar porque sabia que a qualquer momento poderia fazer o barco retornar e reencontrar a felicidade deixada.
Um dia resolveu que já era tempo de voltar ao seu destino de partida. Então perguntou a uma gaivota onde estava naquele momento e ela respondeu que no Mar da Curva do Mundo. E se seguisse um pouco mais adiante correria o risco de o barco virar na curva que o planeta fazia. E lembrou que a terra era oval igual uma bola. Rapidamente ele voltou e foi tendo decepções cada vez maiores em tudo que foi encontrando.
Por diversas vezes teve de fugir apressado para o seu barco não ser destruído por ogivas disparadas por navios em confrontos de guerra. De cima, aviões jogavam bombas que deixavam as águas numa turbulência assustadora. Foi confundido com uma embarcação inimiga e perseguido até encontrar o primeiro porto.
Que lástima! Quando pensou estar salvo não pode nem ancorar por causa de uma revolução que se espalhava por todos os recantos e já alcançava aquelas margens. Tomou rapidamente outro prumo até chegar noutro porto. Assim que se aproximou do cais ouviu uma sirene tocando e acenos dizendo para se afastar. Logo outro barco chegou e o levou para fora das águas daquele país, vez que estrangeiro não era permitido aportar ali.
Se viu prestes a ser atacado por piratas, teve que navegar debaixo de ondas gigantes, não encontrou mais nenhuma ilha que lhe desse guarida. Tudo estava ocupado e por pessoas armadas, ignorantes, brutais. Procurou rochedos livres e não encontrou mais, pois cada um já estava servindo como base de artilharia para uma potência.
E assim, desolado e entristecido, conseguiu navegar até o seu porto, o local de sua partida, o lugar onde vivia e tinha deixado moradia. Tinha a certeza que enfim havia encontrado novamente a paz e a felicidade. Mas logo achou tudo estranho assim que se aproximou.
Sua casa não estava mais ali, mas sim uma grande mansão. Não pôde descer do seu barco porque seguranças armados ameaçaram atirar. E apontaram para o meio das águas, para as distâncias azuis. E para lá ele retornou, sem conseguir jamais pisar em terra firme nem aportar sua pequena embarcação.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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