Rangel Alves da Costa*
Pelo tom do chamado de sua mãe, Crisosta logo viu que não podia se demorar. Passou ligeiramente o olhar pelas vastidões esturricadas adiante e se dirigiu até a cozinha da casa. Aí estavam sua mãe, seu pai e seu irmão, um rapazinho com quase dezoito anos.
Havia outra irmã, mais velha do que ela dois anos, já casada e morando num lugar distante com seu esposo. Depois que casou e foi embora só voltou ali uma vez, e já fazia mais de ano. Agora com o tempo ruim, com a seca engolindo tudo, é que tão cedo ela não apareceria.
Pelos olhos dos parentes, entristecidos e quase chorosos, logo percebeu que o assunto era mais sério do que se poderia imaginar. Assim que a filha entrou o pai deu uns passos em direção à porta dos fundos e ali acendeu um cigarro de palha. Isto era sinal de que caberia à esposa puxar a conversa.
E olhando primeiro para o filho e depois pra filha, a mãe foi dizendo que a família estava como se fosse de luto sem ter morrido alguém. Tanto o pai quanto ela já havia conversado demais com o menino, já debatido demais sobre o problema, mas a verdade é que o único filho da família havia decidido, e decisão sem volta, que iria trabalhar no sul do país.
Haviam dito que esperasse um pouco mais, aguardasse mais uns dias que talvez caísse trovoada e tudo ficaria melhor pra todo mundo. Só Deus sabe como eles estavam suportando, mas era sofrimento já esperado. Não era a primeira seca tão inclemente e duradoura nem seria a última. Por isso mesmo tinham que acostumar com a situação.
Sabiam que o menino tinha outro pensamento, que não suportava ficar ali sem fazer nada, sem trabalhar, sem tostão no bolso, completamente desesperançado. Sabiam também que ele tinha os sonhos e os desejos de rapaz, as vontades que nessa idade parecem atormentar. Mas sabiam também que não era o fim do mundo e que ele poderia muito bem esperar um pouquinho mais.
Mas, segundo relatava a mãe, o menino tinha colocado na cabeça que ia embora e não tinha mais jeito a dar. Cabeça dura de rapazote, invenção desajuizada. Mas infelizmente não podiam fazer mais nada. Já tinha arrumado a mala e subiria no primeiro caminhão que passasse ali. Carro de viajante, viagem flagelada, estrada incerta dos retirantes da seca.
O seu pai, que não podia de jeito nenhum deixar o filho pegar o destino do mundo com uma mão na frente e outra atrás, sem vintém ou tostão no bolso, vendeu por poucos réis uma vaquinha magricela e colocou o ajuntado no seu bolso, ainda que o menino não quisesse aceitar. Implicou dizendo que se virava sozinho, que ele mesmo tinha juntado alguns trocados. Mas depois de um olhar silencioso do velho acabou aceitando aquele auxílio.
Já que ele havia decidido assim, e também porque já estava rapazinho pra ter direito a escolher o que achava melhor pra sua vida, então tiveram que aceitar. Só Deus sabe como, mas tiveram que concordar com aquela partida. E ele partiria já no outro dia ou assim que o primeiro caminhão de viajante passasse. Foi por isso que havia chamado Crisosta pra falar sobre a partida do seu irmão.
Crisosta já estava de olhos marejados antes mesmo que a mãe terminasse de falar. Olhando pro irmão, admirando-o da cabeça aos pés, sentia como se o peito fosse explodir a qualquer momento. Tudo doía por dentro, um sofrimento indescritível lhe afligia, estava a ponto de desmaiar. E correu em sua direção num abraço sufocante.
Abraço retribuído, afeto dobrado, duplo sentimento de amor mais amor. E que amor verdadeiro naqueles dois irmãos. Ele um pouco mais novo que ela, ainda assim sempre foi tratado como filho, como eterna criança pela irmã. Em seguida ela segurou o rosto dele com as duas mãos e disse que ia fazer uma promessa pra voltar sem demora.
E disse ainda que só iria suportar sua ausência porque sabia que ele tinha esse destino a cumprir. Sabia que algum dia ele botaria os pés fora da porta em viagem. Mas viagem que já estava marcada sem ninguém saber.
Por fim, disse que ia até o quarto buscar uma lembrancinha. E saiu apressada, quase em correria.
Continua...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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