SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (11)

                                        
                                                                Rangel Alves da Costa*


Assim que o homem entrou no cercado e passou ao lado de uma moita ressequida, foi alcançado pelo bote de uma cobra. A jararaca deu o bote certeiro e alcançou-lhe o calcanhar, pois estava só de alpercata de couro cru.
Pavor instantâneo, a mais desagradável das surpresas, o sertanejo não pôde duvidar ter sido mordido por serpente venenosa. Logo a seguir da picada a dor já era intensa, com o local começando a arroxear.
Conhecedor de remédios e curas sertão adentro, imediatamente correu em busca de um pé de pinhão roxo. Diziam que não havia remédio melhor para mordedura de cobra. Encontrou o pinhão, porém não encontrou nenhuma folha nem fruto. Quebrou um galho e começou a desesperadamente mordê-lo, deixando um sumo intragável escorrer pelo canto da boca. Mas não tinha serventia alguma.
Desesperado, sentindo a dor aumentar ainda mais, de forma insuportável, sentou numa pedra e começou uma operação de quem realmente se vê diante da morte. Pegou o canivete e arrancou o tampo da pele ao redor da picada. O sangue jorrou e a dor passou a ser ainda mais intensa.
Levantou decidido a ter forças para chegar em casa, porém quase já não conseguia andar. O corpo inteiro se tremia, os olhos já começavam a turvar, o suor empapava sua roupa. Fazendo o possível para não gritar, suportou apenas dar alguns passos e caiu, quase tomado pela cegueira. Mas viu a cobra se aproximar e ficar diante dos seus olhos. E não viu mais nada.
Com a demora do esposo, a mulher achou melhor ir até o cercado para ver o que ele estava fazendo. Um grito terrível fez com que Crisosta corresse até lá para se deparar com aquela tragédia. Seu pai morto e sua mãe desesperada querendo despertá-lo novamente para a vida.
Praticamente sozinha, vez que sua mãe tendia a desmaiar de palmo em palmo, conseguiu arrastar o corpo até a casa. Colocou um banco na sala da frente e ali se pôs a velar seu pai. A mãe, chorosa no quarto, quase não aparecia ali.
Por sorte, viu passar um menino caçador de passarinho e correu em sua direção. Pediu pelo amor de Deus que chamasse o seu pai até ali, pois tinha assunto sério a tratar. Não falou sobre a morte ao menino, mas teve de responder que sim quando ele indagou sobre o possível acontecimento.
Depois do meio-dia chegaram o pai do menino e mais três conhecidos, moradores da região. Já traziam o caixão de madeira barata, feito às pressas. Crisosta agradeceu por tudo na vida por eles terem chegando com tal providência, pois já estava até pensando em colocá-lo numa rede para ser enterrado.
Ao entardecer baixou à cova. Sete palmos dividindo um sertanejo de toda uma vida de indescritíveis lutas. Diferentemente de sua mãe, que voltou nos braços dos amigos, não chorou nem esperneou. Sabia que teria todo o tempo do mundo para sofrer aquela perda.
O que mais lhe doeu no momento seguinte foi não ter encontrado meios para avisar aos dois irmãos sobre o triste acontecimento. Uma casada e distante, e o outro mais distante ainda. Mas faria de tudo para enviar logo notícias.
Sua mãe começou a botar luto logo no dia seguinte. Nem esperou completar sete dias e passou a usar somente roupa preta. E durante mais de mês não disse uma palavras sequer, não falava nada com a filha, talvez enlutada também na palavra.
Crisosta procurava não interferir nos sentimentos da mãe. Entendia muito bem a sua dor e todo o seu sofrimento. Por isso não procurava confortá-la quando se jogava na cama aos prantos ou ficava pelos cantos em tempo de se acabar.
Os problemas surgidos agora eram outros. Não havia na casa praticamente nada para comer, as chuvas certamente não chegariam tão cedo, e sua mãe definhava cada vez mais. Mulher não gorda, mas forte, agora já mostrava ossos sobressaindo pelo corpo.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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