Rangel Alves da Costa*
Quando eu era meninote ainda, tempo em que era deslumbrante tomar banho nu nas chuvaradas pelas ruas lamacentas de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, ouvi alguém falar sobre um certo pássaro eterno.
Não lembro bem quem me falou sobre a ave de duração indefinida, mas não me esqueço do contexto em que foi eternizado o passarinho. E segundo ouvi, há no mundo e na vida um pássaro, igual e muito além desses que passam em revoada, cujo voo é tudo que o ser humano precisa para existir.
Criança ainda, naquele momento não entendi muito bem o significado desse pássaro que é pássaro e também o homem no seu anseio maior de existência, de independência, de autonomia, e principalmente de liberdade. De lá pra cá, alguns anos e contínuas marcas do tempo, venho filosofando e dialogando na minha sabedoria matuta sobre o real significado daquelas palavras.
Ontem pensei novamente em tal pássaro. O mais incrível é que todas as vezes que o trago ao pensamento descubro novas possibilidades para a sua significação e continuidade de existência. De um simples passarinho emplumado foi ganhando contornos até chegar a um verdadeiro labirinto de possibilidades. Hoje não duvido mais que o pássaro é tudo. E direi por quê.
Aquele pássaro eterno sobre o qual um dia ouvi falar é o mesmo passarinho, sem nome e sem espécie, que eu via voando pelos céus do meu sertão, passando em revoada, cantando nas galhagens da mataria, fazendo seus nomes nos troncos dos paus. Eterno porque não um passarinho, mas o passarinho que podia ser qualquer um e que certamente sempre estaria voando por ali. Uma andorinha, um pardal, todos os pássaros.
Mas aí é que entra uma profusão de pássaros e todos com significados muito além daquela pequena ave voadora avistada sempre nas bandas de lá. Logo adianto que nenhum destes possui asas, penas, faz ninhos, canta perto das folhagens, namora no escondido da casa de barro, alça voo pelos horizontes. Mas todos possuem o mesmo destino de qualquer passarinho: o voo para a liberdade.
Assim, vejo o pássaro eterno em mim, na minha pessoa, no meu ser que tudo faz para permanecer e preservar os caminhos da liberdade. Esse pássaro-eu, pássaro em mim, sabe muito bem os perigos de cada passo adiante, sempre na mira dos predadores, dos caçadores, das agressões gratuitas que são avistadas a cada instante. Porque igual ao pássaro que voa, abro as asas da luta em nome da eterna liberdade.
É conhecido o voo do pássaro eterno daqueles que lutam contra as injustiças sociais, as arbitrariedades, as impunidades, os erros do judiciário, os nefastos vícios nos órgãos de poder, as prisões ilegais, a violência policial, o abuso das autoridades, a monstruosidade dos que discriminam e preconceituam aqueles economicamente desfavorecidos. O combate a estas ervas daninhas só se constrói com um voo tão voraz que logo se sentirá a eternidade desse pássaro.
Um pássaro eterno passa voando e logo enxergo ali um sonhador, aquele que luta e não fraqueja em busca de sua realização maior. Seja por uma formação acadêmica ou apenas aprender a ler e escrever, por uma simples ou grande conquista, pela mera sobrevivência ou ter um pouco mais para compartilhar, pela semeadura de grãos em solo árido e com a esperança de brotar ali não só a planta que alimenta, mas também a flor que encanta os olhos e a vida.
Por tudo isso o pássaro é eterno. Não só aquele passarinho, mas também todos os outros que procuram incessantemente voar para fugir do acaso, do descaso, da incúria dos homens. Este pássaro homem, pássaro ser, eu, nós, que jamais iremos admitir o cativeiro nem a sujeição à servidão perante um igual na condição humana. Daí essa necessidade de procurar sempre voar, e eternamente.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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