SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 27 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (32)


                                                      Rangel Alves da Costa*


Assim que o cachorro avisou e fez o retorno para entrar, ainda latindo, na mataria, Crisosta se assombrou com o pio agourento de uma coruja, ave assustadora, íntima da morte e dos maus presságios.
O pio da coruja, um canto rasgado e aflitivo, deixa qualquer um de cabelo em pé. Pessoas se benzem, oram, pedem por tudo na vida para que a agourenta não traga notícia funesta.
Depois de se benzer assustada, a mocinha quase se descabela no chão ao dar o primeiro passo na correria para acompanhar o farejador. Cachorro caçador, bom de focinho, nunca erra naquilo que vem avisar latindo. Nunca late falsa informação nem brinca com o padecimento dos outros.
Se chegou latindo e voltou ao mesmo lugar é porque algo realmente aconteceu ou está para acontecer. Muitas vezes vem avisar sobre a existência de uma cobra e no retorno se dá mal, pois a bicha já o espera de bote venenoso armado. Sua irracionalidade e ação apenas instintiva, muitas vezes fazem com que corra grande perigo e até perca a vida.
Aos trancos e barrancos a mocinha foi seguindo na direção do cachorro. Ele já estava muito na frente, talvez já chegado ao local, mas ela seguia pelos latidos que ecoavam como se fossem rastros.
Depois de uma junção mais fechada de árvores, repleta de plantas espinhentas ao redor, Crisosta avistou o animal já parado em meio a um descampado de pequena extensão. Com o focinho roçando a terra de lado a outro, ele só parava para ficar diante daquilo que ela não entendeu bem o que era à primeira vista.
Ao se aproximar avistou uma rústica e minúscula construção que parecia ter sido parcialmente destruída recentemente. Não era nem casa nem quarto feito de pedaços de paus e coberto por folhagens secas, mas apenas aquilo que deveria ter sido um pequeno vão construído para servir de abrigo a alguém.
Esse tipo de rápida construção é muito comum entre caçadores, lavradores e gente que lida com rebanhos no meio dos matos. Consiste em pegar quatro toras de pau, fincá-las no chão, colocar mais uma vara entre uma tora e outra e depois colocar horizontalmente galhos com folhagens formando um tipo de parede.
Por cima, servindo de cobertura, colocam-se umas duas varas e depois joga mais folhagens. Assim, os lados e em cima ganham essa proteção rústica e apressada, deixando apenas uma abertura para entrada e saída. Dentro cabe muito bem uma pessoa para descansar.
Muitos sertanejos construíam esses abrigos em lugares de passagem certa para não dormir ou não ficar ao relento em determinadas horas do dia. Construíam e deixavam ali, servindo não apenas para quando retornassem, mas também para outros viajantes que precisassem repousar.
Aparentemente frágeis, tais abrigos duravam muito. Batia o sol, caía chuva, soprava a ventania e a casinha ficava lá suportando tudo. Mas o que agora havia sobrado do abrigo encontrado pelo cachorro e avistado por Crisosta era de recente construção. Não havia dúvida disso.
O mais estranho é que também recentemente, talvez ainda na noite passada, havia sido parcialmente destruído. Constatava-se tal fato pelos paus caídos e as folhagens ao redor. Contudo, o mais estranho ocorreu quando ela se aproximou ainda mais, olhou por baixo do que restava e encontrou uma camisa de malha rasgada e uma baleadeira. Outra baleadeira.
Uma camisa de malha que bem poderia ter pertencido ao seu amiguinho caçador, uma peteca atiradora de passarinho que só podia ser dele. Mas por que havia saído dali assim tão apressadamente que deixou parcialmente destruído seu lugar de dormida e não levou seus objetos de uso?
Mas será possível, meu Deus? Estremeceu de corpo inteiro e lançou o olhar da saída da porta até mais adiante. E avistou marcas de pisadas, de alguma coisa sendo arrastada, de plantas rasteiras contorcidas.
E viu ainda a terra manchada de sangue.
Continua...




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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