Rangel Alves da Costa*
Qual o odor mais apropriado quando se fala em grã-finagem, em alta sociedade, em reluzente burguesia? Muitas vezes o nariz não tem culpa se sente apenas o cheiro daquilo que está por cima.
Primeiro o entendimento do termo grã-finagem. Tem-se, pois, que grã-fina é a pessoa que esnoba riqueza e exagera na vestimenta, ainda que não seja abastada, de grandes posses, mas agindo assim para se caracterizar dentro de classe distintiva por uma superioridade socioeconômica.
Faz de tudo para arrotar superioridade, luxo, poder, elegância, aristocracia, vivendo quase em contínua disputa com as da mesma classe para ver quem é mais antipática, cheia de dondoquices e arrogante. Acha que tem um rei na barriga, um banco na bolsa ou no bolso, o mundo a seus pés e todos têm de olhá-la com ciúmes e bajulação, ainda que odeie pobre por perto.
Grã-fina que nunca foi nada na vida, que não tem linhagem familiar e alçou as altas rodas sociais pelos meios mais escusos é o tipo mais antipático, insuportável, cheio de babaquices. O nome e o sobrenome são quase como medalhas que carrega no peito. Se é Maria torna-se Mariazinha, se é Estefânia vira Stephany. Mariazinha de Lacroix e Stephany Olanguy.
A grã-finagem é classe social com vapor próprio, aragem própria, exalando estranhezas e esquisitices. Mas então, qual o cheiro dessa classe que sempre acha que não é povo, que fala por anjos, age por deuses e se deleita pelas graciosidades da riqueza, que muitas vezes não tem?
Lavanda, ébano, jasmim, sândalo, almíscar, rosa damascena, jacinto gálbano, verbena, patchouly, florais com os mais delicados aromas?
Será? E tudo dentro de preciosos frascos de Acqua di Gió, Dune, Carolina Herrera, Hot Couture, Allure, Individuelle, Channel Nº 5, Hipnôse, Laguna, Nina, Sansara, Paris, Prada, L'Eau d'Issey?
Ou será que a alta sociedade possui mesmo outro odor, outro aroma, outro cheiro, outra fragrância, digamos assim, menos nobre e mais próximo ao fedor, ao bodum, à inhaca, ao odor mais nauseabundo? Será que o tal cheiro de esgoto tem algo a ver com a grã-finagem?
Será? E tudo exalando carniça, podridão, despojo do pior que exista, podridão, putrefação, excremento em contaminação, resto em decomposição, insuportável fetidez?
Quais os invólucros a guarnecer tais aromas depreciativos, será que a madame, a socialite, o playboy, a socialmente fútil e inútil, a patricinha, o novo rico, a chatinha endinheirada, a viúva do comendador, a colunável, o aristocrata, a dondoca, o extravagante?
De uma coisa é certa, a grã-finagem não cheira a terra, a capim, a semente, a colheita, a fruta fresca, a natureza, a chão molhado, a vapor de chuva, a cheiro de mato, a café torrado no fogão, a bolo de macaxeira no forno, a cuscuz de milho ralado, a manhã.
De outra coisa é certa, a alta sociedade não conhece o cheiro do outro, não sente o perfume de ninguém que não seja de seu metiê. E nesse caso não é perfume de gente, mas pós mumificantes, bálsamos suturantes, cosméticos mirabolantes.
Talvez seja por isso mesmo que desde os tempos mais antigos os grandes salões repletos por gente da nobreza e da aristocracia eram tomados por leques e ventarolas adornados. Mesmo que os perfumes famosos se espalhassem pelo ar, as madames se abanavam sem parar para afastar o empesteamento da grã-finagem ao redor.
O mau cheiro insuportável, contudo, não vem nem da pele nem da roupa, mas de dentro da própria pessoa. Nenhum Channel Nº 5 tem o poder de afastar a podridão da arrogância, da imbecilidade, do preconceito, da discriminação, da pequenez espiritual, da insolência. Nenhum J’adore da Dior possui o dom de tornar em aroma os exageros do egoísmo, da vaidade, da mediocridade.
Por isso mesmo que indiscutivelmente prefiro o grão fino do povo à grã-finagem social, ainda que esta jogue dinheiro em comportas. Naquele grão da humildade, o grão fino, certamente estará a certeza de que o mundo é feito por gente e não por pedrarias reluzentes e sobrenomes malcheirosos.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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