SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 30 de maio de 2012

GRÃO (Crônica)


                                                           Rangel Alves da Costa*


Grão. Um grão feito um grão, um grão de qualquer coisa. Preciso de um grão.
Partícula, semente, glóbulo, germe, grânulo, qualquer coisa que seja grão, será o sinal da esperança lançado ao chão. Por isso mesmo preciso de um grão.
A terra se alarga, o chão se estende, tudo é vasto e amplo, vejo adiante a possibilidade de semear qualquer coisa. Mas falta-me o grão, dê-me um grão...
Não precisa que tenha celeiros, armazéns, silos, tonéis, depósitos de sementes, grande quantidade de grânulos que possam ser semeados e cultivados. Não. O grão que preciso está em outro lugar.
No olhar, na palavra, na face, no sorriso, no gesto, na mão, na mão estendida, no passo, na boa vontade, na intenção, no fazer, aí estará o grão. Pequenina semente, quase invisível sem os olhos do coração.
Grão no pingo de chuva, na ponta de sol, no orvalho da madrugada, na íris do olho, na piscada do olhar, na ponta do dedo, no sinal que ficou. Quase imperceptível, o grão está sempre presente diante daqueles que desejam encontrá-lo.
Um grão de sonho que de tão bom não se completou, de esperança que nunca se esvai nem irrompe em desilusão, de sabedoria maior que montanha, de fé iluminando a vida, de vontade como o primeiro passo pra tudo. Um grão de Deus, silenciosamente semeado e tão farto na colheita dos dias.
Porque a terra está fértil, molhada, adubada de esperanças e certeza dos melhores frutos, é que ali não cairá o grão da discórdia, do ódio, da intriga, da inveja, da falsidade, da calúnia, da violência, da brutalidade. A terra boa rejeita que caia sobre si o que nela é jogado por mãos que não sabem construir.
Não para semear, para cultivar no chão preparado nem para tentar colher qualquer fruto, mas nunca é demais ter guardado na garrafa da sabedoria, utilizando apenas como exemplo, o minúsculo grão do orgulho, da vaidade, do egoísmo. Tais virtudes só fazem mal quando semeadas com intenção negativa.
Também não haveria de se desprezar um grãozinho de solidão, de saudade, de recordação, de entristecimento, de aborrecimento, de angústia, de melancolia, de leve vazio. Um grãozinho apenas para a reflexão, para sentir no peito aquela vontadezinha de chorar um grãozinho de lágrima.
Quantos grãos não passam na ventania, não sendo levados pelas enxurradas, não caem junto às folhas de outono, não se acumulam no meio das estradas, não viajam embaixo dos pés pelos caminhos de todo dia? Quantos grãos dentro do olhar, dentro da boca, dentro do corpo, dentro da invisível impureza?
Um dia o meu castelo será erguido grão a grão. De grãos serão as portas e as janelas, os móveis e tudo que nele se assente. De grão será minha chave, também minha mão, que não aceitará entrar senão levando o resto dos grãos. Se não fosse o vento minha namorada também entraria ali, mas como o desamor transformou tudo em grão...
O castelo maior, mais protegido, mais impenetrável do mundo. Um rei em absoluta solidão e em busca de um grão de felicidade. E nesse poderoso reinado, nesse reino de castelo de grão dourado, só haverá temor da onda leve que vem subindo arrastando grão, da tempestade que cai sobre o grão, da ventania que leva o grão.
Por isso mesmo é que colho cada grão e guardo na palma da mão, depois engulo com água da chuva e deposito tudo no coração. Então vou construindo intimamente aquilo que ninguém é capaz de erguer com tijolos, cimento, pedra e ferro.
De grão em grão construo no coração um amor tão leve que sempre sai voando por aí, rumando noutra direção, onde você esteja, onde esteja um irmão. E depois retorna trazendo um grão de resposta, um sinal que vale a pena continuar nessa construção.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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