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quarta-feira, 16 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (20)


                                                        Rangel Alves da Costa*


Após entrar em casa, a primeira coisa que a mocinha procurou fazer foi se dirigir até o oratório para as orações matinais. Fazia isso todos os dias. Sua mãe lhe havia ensinado orar como uma missão que jamais poderia esquecer.
“Minha filha, conversar com Deus, com os santos e os anjos é a melhor coisa que a pessoa pode fazer. E isso dá através da oração. E a força da oração e do diálogo está na verdade que a pessoa transmite. Talvez seja a única circunstância no mundo onde a pessoa teme fugir de sua verdade. E por ser verdadeira é que é atendida em seus rogos”. Ouvia da mãe.
O oratório estava no quarto da falecida mãe, ali num cantinho, por cima de uma banquinha alta. Entrou e sentiu a presença dela, como se estivesse ainda por ali, arrumando as coisas, dizendo palavras. Sentia até o seu cheiro, um aroma de lavanda sem precisar perfumar.
Oraria ainda mais por ela. Sentiu uma inesperada saudade que lhe apertava o coração. Não somente dela como do pai e da irmã com sua pequenina cria. Uma saudade tão forte, tão agonizante por dentro, que sentou na cama e começou a chorar.
Num passo e já estava estirada no lençol, com um pano sobre a cabeça e soluçando. Não havia chorado assim no instante das mortes, não havia sentido essa torrente lhe invadir tão fortemente. Somente agora parecia ter encontrado a realidade. E que cruel realidade.
Ficou jogada na cama por mais de dez minutos. Levantou porque o cachorro começou a latir na entrada do quarto. Talvez estivesse temendo por sua nova dona. Acenou pra que ele saísse dali e fosse pra outro lugar e então se pôs de joelhos diante do oratório. E orou:
“Pai Santo, Deus Eterno e Todo-Poderoso, Vos peço por meus familiares que chamastes deste mundo. Dai-lhes a felicidade, a luz e a paz. Que eles, tendo passado pela morte, participem do convívio de Vossos santos na luz eterna, como prometestes a Abraão e à sua descendência. Que suas almas nada sofram, e Vos digneis ressuscitá-los com os Vossos santos no dia da ressurreição e da recompensa. Perdoai-lhes os pecados para que alcancem junto a Vós a vida imortal no reino eterno. Por Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Dai-lhes, Senhor, o repouso eterno e brilhe para todos a Vossa luz! Amém”.
E orou também pela sua vida, para que tivesse forças para vencer todas as adversidades surgidas. Em seguida abriu todas as janelas e portas da casa e deixou que o vento da manhã e o ar puro da mataria adiante entrassem em profusão. E se sentiu com o coração mais confortado, mais fortalecida para os enfrentamentos do dia.
Catou pelo armário e não encontrou sequer um restinho de farinha de milho para fazer um pequeno cuscuz. Abriu latas e mais latas e enfim encontrou um pouco de farinha de mandioca e um resto de pó de café. Já estava bom, disse a sim mesma. E já sabia o que ia fazer. O problema era encontrar comida mais tarde.
E porque sabia o que ia fazer, colocou uma colherada de banha de porco numa frigideira e assim que começou a chiar botou ali dentro dois preás secos que ainda restavam. Comeria com farinha e café um pedaço de um e o restante guardaria para outras refeições. E que alimento bom, que gosto maravilhoso é proporcionado quanto se come o que tem.
Depois de ajeitar a cozinha atravessou a porta para o quintal, nos fundos da casa. Olhando uma coisa e outra, lembrou de ir até o galinheiro recolher algum ovo por ventura ali juntado pelas duas galinhas que restavam. Só restavam essas duas e sua mãe dizia que eram como se fossem da família e por isso mesmo não iriam pra panela de jeito nenhum.
Ao chegar ao galinheiro encontrou quatro ovos, porém todos quebrados e sem vestígios nem das claras nem das gemas. Era sinal de que haviam sido quebrados e sugados, e somente um animal era hábil em fazer isso: a cobra. Enraivecida estava e mais enraivecida ainda ficou diante daquela situação. Só faltava mesmo a serpente ter matado as galinhas.
E já que estava com intenção de matar a cascavel que havia mordido e envenenado seu pai, naquele mesmo instante catou pelos cantos um pedaço de pau e seguiu em direção ao pasto onde havia ocorrido a tragédia. Só sairia de lá quando esmagasse a cabeça da desgraçada.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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