*Rangel Alves da Costa
Quem não se recorda daquela cena de abertura
da minissérie “Lampião e Maria Bonita”, quando o Lampião protagonizado pelo
ator Nelson Xavier aparece à frente de parte de seu bando e num instante, como
se estivesse percebendo algo estranho nos arredores, primeiro levanta a mão
direita e depois a esquerda, em sinal de alerta? Ao som de um refrão da
maravilhosa “Mulher nova, bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor”,
na voz plangente de Amelinha, a minissérie produzida pela Rede Globo de
Televisão em 1982, passava a contar, embora de modo fictício, a história do
mais famoso casal nordestino, senão do próprio cangaço.
Interessa notar, contudo, que desde esta cena
de abertura já se percebia a força interpretativa do grande ator que foi Nelson
Xavier. Ninguém jamais interpretou Lampião, o líder cangaceiro dos carrascais
nordestinos, como o ator paulista nascido em 1941 e falecido recentemente, em
10 de maio. O que se tem a partir daí e ao longo de toda a trama é um ator
vestido e revestido de corpo e alma num personagem. Não há caricatura, não há
trejeitos forçados, não há mera imitação. O que há, na verdade, é a concepção
mais original possível daquilo que de uma forma existiu. E Nelson Xavier traduz
com máxima expressividade esse autêntico nordestino, com seus mistérios e
segredos, sua tenacidade e carisma.
A minissérie da Rede Globo, escrita por Aguinaldo
Silva e Doc Comparato, com direção de Paulo Afonso Grisoli e Luiz Antonio Piá,
alcançou retumbante sucesso não pela história contada, descontextualizada que
foi dos fatos reais. O pano de fundo é o cangaço, mas com trama fictícia. O que
permitiu seu reconhecimento e aplausos foi justamente a beleza das
interpretações conduzidas por Nelson Xavier como Lampião e Tânia Alves como
Maria Bonita. Ao lado dos cenários nordestinos, da riqueza de detalhes que
despertavam interesse maior pela saga, bem como da encarnação dos atores
refletindo com exatidão os seus personagens, o resultado não poderia ter sido
melhor.
Ora, impossível agora traduzir todo o gestual
de Virgulino Ferreira da Silva, o seu modo exato de andar, de falar, de
comandar e conviver com o seu bando e demais pessoas alheias à sua saga, porém
não menos envolvidas. Sabe-se, porém, e através de relatos, que Lampião era
místico, “cabreiro”, metódico, de palavras comedidas e ordens veementes. Mas
pouco mais que isso se conhece do líder estrategista das caatingas nordestinas.
Como chefe de bando, certamente impunha a seu modo a condução de sua luta. Já o
homem em si, o Lampião de nome e sobrenome, na sua intimidade e como ser
preocupado com o seu destino, ainda não foi totalmente decifrado. Contudo,
Nelson Xavier expôs esse retrato com maestria.
E assim por que o Lampião encarnado por
Nelson Xavier é verdadeiramente aquele que se mentaliza ou se imagina sobre o
rei cangaceiro. Aquelas mãos entrecruzadas, cheias de anéis dourados, são as
mãos de Lampião. Aquela figura cheia de cartucheiras, embornais, lenço ao
pescoço, chapéu estrelado, armas e outros adornos, não pode ser outro senão
Lampião. Aquele olho mais baixo atrás de óculos arredondados, cego, que nunca
se abre totalmente em qualquer cena, é o olho de Lampião. Aquele rosto
nordestino, moreno, queimado de sol, só pode ser o semblante de Lampião. Aquele
gestual, aquela fala, aquele jeito de andar, só pode ser mesmo de Lampião. Sim,
é Lampião, mas é Nelson Xavier.
O papel desempenhado pelo ator paulista foi
algo incontestável em termos de dar contornos de revivência ao emblemático
personagem. No gestual, na força interpretativa, no semblante e no olhar de
olho cego, bem como nas demais expressões requeridas, em todos estes aspectos
Nelson Xavier se fez imenso, enorme, essencial, como se nenhum outro ator
pudesse captar e transpor com tamanha originalidade os passos, as lutas e os
cotidianos do rei do cangaço. Por isso mesmo que nunca é demais afirmar que
quem nunca conheceu Lampião pode encontrar a maior proximidade possível no
personagem vivido por Nelson Xavier. O ator sempre dizia que o seu melhor papel
havia sido o de Chico Xavier. Mas todo mundo o relembra sempre como Lampião.
E relembra também aquela abertura da saga
cangaceira com os versos de Otacílio Batista e Zé Ramalho: “Virgulino Ferreira,
o Lampião, bandoleiro das selvas nordestinas, sem temer a perigo nem ruínas,
foi o rei do cangaço no sertão. Mas um dia sentiu no coração o feitiço atrativo
do amor, a mulata da terra do condor dominava uma fera perigosa. Mulher nova,
bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor”.
“Santinha, hoje vamo arribar daqui...”. Dizia
Nelson Xavier na trama. Mas eu tinha certeza que ouvia do próprio Lampião.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Ele era absolutamente perfeito em todos os seus papéis!
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