CARTINHA
Rangel Alves da Costa*
As mãos pequeninas, mãos de fada ou simplesmente de uma meiga e doce mulher, levaram o envelope à boca e, num gesto tão corriqueiro entre os de lá, passou a língua molhada na carta certamente apaixonada, depois a beijou levemente com os lábios macios, e colocou a cartinha nos pés do passarinho.
Em seguida soltou-o da janela e ficou sorrindo, alegre, feliz, contente demais. Quando ele lesse a cartinha não ia ter nem tempo de se despedir de si mesmo, ia subir nas asas do passarinho e chegar ligeirinho, num instantinho, para os braços do seu amor. Mas será que ele seria encontrado ou naquela manhã seus passos estariam em outro lugar?
Mas ele vai ser encontrado sim, haverá de sentir o que as minhas poucas letras sabem humildemente expressar. Pensou a mocinha, enquanto segurava uma flor na mão e lembrava-se de tudo que havia escrito, letra por letra.
“Um abraço e um beijo meu amor, tô com muita saudade.
Desculpe se eu apertar demais o que tenho a dizer, é que só tenho essa folha. Se eu fosse encher um caderno inteiro ainda seria pouco pra falar em tanta saudade, em tanto amor, em tanta falta que você me faz, em tanto desejo que tenho que você volte logo, em tanto tudo e muito mais. Mas o mais importante vou dizer e leia como se fosse um eco: te amo, te amo, te amo...
Vou fazer uma promessa pra quando você chegar o sol ficar bem bonito, a noite com uma lua que desça pra bem pertinho da gente e um horizonte com o seu nome desenhado nas nuvens. Vai ter festa aqui, sabia? Festa da padroeira, com quermesse e foguetório. Vai ter também leilão e forró, pega-de-boi e vaquejada. Acho muito bonito as pastorinhas, mas dessa vez não vou participar do encarnado não, porque quero guardar minha roupa nova pra quando você chegar.
Terminei uma colcha de renda e com o dinheiro da venda fui pra feira fazer umas comprinhas. Nunca mais tinha comprado nem um diadema nem um laço de fita, uma pulseirinha nem uma sandália. O dinheiro era pouquinho, mas ainda assim comprei dois panos de chita pra fazer dois vestidos, um perfume bem cheiroso e um batonzinho que é pra boca não ficar sempre na secura. Quando você me beijar vai sentir a diferença. O batom é chegado a vermelho, mas quero que você tire todinho no primeiro beijo. Comprei outra coisinha que não posso dizer não. Quem sabe um dia você vai saber o que é.
Minha tia está me ensinando outros pontos de bordado. Vou fazer uma peça por encomenda e com o dinheiro arrumar muita coisa boa pra quando você chegar. Vou fazer doce de carambola, de goiaba e de coco, colocar tudo em compota e guardar na cristaleira. Vou fazer licor de jenipapo e de araçá, engarrafar tudinho e guardar num cantinho até ficar bem apurado. Se o dinheiro der quero ver se compro um presente pra você. Tô pensando numa coisa mas não sei se você vai gostar. Lembra quando você quis pegar nos peitos e eu não deixava? Pois vou comprar um sutiã novinho que é pra você pegar por cima quando quiser. Tirar só quando casar.
Minha tia, aquela que é solteirona, arrumou um namorado na revista da televisão. Tá apaixonada a bichinha e dorme babando em cima do retrato do moço. Coitado do rapaz. Se soubesse nunca mais ia fazer novela nem deixar seu retrato aparecer. Minha irmã mais velha do que eu teve filho, que é uma menininha mais linda do mundo. Vai lhe chamar de tio, tenho certeza. Mas meu pai, sabe como ele é, só fica me cobrando casamento e diz que só falta ter um neto. E quem tem que dar um neto sou eu. Eu e você, meu amor. Mande dizer logo quando vai chegar nos pés do mesmo passarinho.
Um beijo porque a folha tá acabando. Tô morrendo de saudade, diga que tá também”.
Passaram-se dois, três dias sem o passarinho voltar. Quando voltou fez um ninho com retalhos de saudades e foram felizes para sempre.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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