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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

UM REI BOM NA SUA BOA TERRA (Crônica)

UM REI BOM NA SUA BOA TERRA

                                      Rangel Alves da Costa*


Um dia, o aprendiz de soberano deixou o seu reino para aprender como reinar noutro lugar. Saiu de sua terra ainda menino, na idade própria para continuar fazendo o que mais gostava na vida, que era caçar passarinho pelas matarias, tomar banho pelado no riachinho e brincar de tudo no mundo com a gurizada de sua idade.
O reizinho já reinava naquele tempo. Era o mais esperto, o mais astucioso, o mais traquina, o mais levado em tudo. Bom na bola, bom no drible, o melhor cavaleiro no cavalo de pau, o que sabia fazer a pipa que subia mais, o que não errava uma lançada de bola de gude no buraco da terra. Era também quem mais gostava do seu lugar, da natureza, dos animais, de tudo ao redor.
Um dia a soberana, a rainha-mãe, arrumou mala e cuia do pequeno príncipe e seguiram rumo ao ponto de ônibus. Ela enfeitada demais cheia de vestido de chita, de sandália comprada na feira e de diadema na cabeça. Ora, rainha que se preza usa uma coroa assim na cabeça. Mas a dela era muito mais bonita, pois toda enfeitada com flores pequeninas de plástico.
O pequeno rei já guardando uma imponência que mais tarde seria reconhecida com devoção pelos súditos conterrâneos. De roupa nova, camisa branca, bermuda descendo o joelho e um suspensório tão bonito que assentava com qualquer camisa. Cabelos negros penteados na brilhantina, um rosto entremeado de alegria e tristeza, uma boca que não se abria de jeito nenhum. Não diria adeus a ninguém, pois logo estaria de volta. Os olhos grandes e vivazes estavam menores agora. Havia chorado, e muito.
O grande rei, majestade maior de lua e sol, das ardências desoladas e das chuvaradas de vez em quando, outra coisa não fazia senão trabalhar noite e dia para sustentar seu príncipe na capital, na casa de parentes. Mas o menino fazia por onde, dava gosto aos pais, não perdia um ano nos estudos, não havia prova pra ele não tirar nota boa. Porém só Deus sabe como, pois vivia com uma saudade de arrepiar, ainda chorando no travesseiro todas as vezes que se lembrava de casa, dos amigos, da terra, das brincadeiras.
A cada dia que passava o pequeno rei aprendia mais como lidar com gente, como saber se impor perante a vida, o mundo e as coisas do mundo. A cada ano que se passava o pequeno rei passava a ostentar cada vez o seu porte real, pois conhecendo e já aplicando tudo aquilo que deve ser comum a um verdadeiro soberano: inteligência, sabedoria, coragem, saber tomar a atitude certa no momento certo, fazer valer sua voz quando já ninguém sabia falar.
Além de rei, o homem agora era um doutor. E rei não porque já era doutor, mas alteza porque um catedrático que sabia o que queria na vida, usando mais uma vez a sua inteligência e perspicácia para as boas ações e para o desenvolvimento próprio e dos outros. E um rei ainda maior e mais poderoso porque não trazia por cima do anel as mazelas do egoísmo, da vaidade, do egocentrismo, da soberba, do que querer se sobrepor e subjugar os outros a todo custo.
E um dia souberam que aquele menino filho de não sei quem, que agora já era doutor de anel e tudo, todo de paletó e gravata, com especializações e graduações num monte de coisas, estava chegando ao lugar por aqueles dias. E ao invés da cidade cantar e louvar a chegada do soberano, o que se ouvia pelas esquinas é que já devia estar se achando de ouro e não chegaria nem perto de ninguém, que deveria ser um boçal repugnando cada conterrâneo e nem lembrando mais dos amigos que um dia deixou pra trás.
E quase todo mundo baixou a cabeça quando o rei chegou ao seu reino, mas não para reverenciar tão bonito e imponente soberano, mas por pura vergonha do primeiro ato que viram o grande homem praticar. Ele simplesmente saiu pelas ruas recordando seus companheiros, conversando com um e com outro, fazendo de todo mundo um amigo e dizendo que havia retornado ao seu berço querido para mostrar como uma boa terra produz bons frutos. Ficaram felizes demais, porém não tinham certeza do que ele queria dizer com aquele negócio de boa terra e de bom fruto.
Mais tarde foi visto na roça, de enxada na mão, ajudando o pai. Depois foi visto na cidade ajudando a trocar um pneu de uma carroça. E foi quando alguém comentou que não entendia como um doutor se metia a fazer coisas de gente pobre e sem estudo.
Mas ouviu de um mais velho que o anel e as grandezas dele tinham o seu momento de uso e de ser e aquele jeito simples e humilde nada na vida podia esconder. E tudo provava que aquela terra era tão boa que havia dado um fruto igual aquele, com ações e atitudes de um verdadeiro rei que gosta tanto de sua terra e do seu povo.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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