A DOR, TODINHA...
Rangel Alves da Costa*
Nem pense que foi assim. Primeiro apareceu um mal-estar, acompanhado de uma estranheza no corpo, de um repentino frio, e depois uma leve pontada por dentro, mais uma e mais uma e a dor lancinante, o grito.
Nem também com o espinho que estava na passagem, com a ponta afiada da pedra, com o objeto que caiu por cima do pé, com a enxaqueca ou a dor de cabeça, com o objeto pontiagudo fazendo sangrar. Nada disso.
A dor, a verdadeira dor e a que trato aqui começa sempre que a vida me chama a pensar. Assim, logo se vê que não é uma dor corporal, mas mental e num processo muito conhecido e também doloroso demais.
A dor parece que se esconde no meu sorriso e na minha feição de felicidade, se aloja por trás do brilho do meu olhar e das palavras de contentamento que de vez em quando ouso dizer. Esconde-se, sombriamente espera o momento certo de começar a surgir na mente, se espalhar no pensamento e aí então é dor demais para toda vida.
Essa danada de dor procura sempre doer com a mente voltada para pensamentos certos, paisagens conhecidas, cenários cotidianos que são avistados adiante. E gosta também de um entardecer, da chuva caindo, da noite fechada, da lua brilhando, do silêncio ao redor, da música, do poema, da carta, da fotografia. Mas tenho de dizer, a dor parece gostar mesmo é de você.
Sigo até a janela e a dor está invisivelmente ao meu lado. Sabendo o que logo irá acontecer, fica quietinha esperando o momento certo para dar o bote. E frágil demais como sou, me rendo, me jogo, me vendo à dor. E aquele que caminhou contente para olhar o mundo adiante se vê num espanto que é dor estridente.
Os meus olhos que queria apenas se alegrar olham ao redor e tudo parece repentinamente tão diferente. Ainda ontem as árvores verdejantes brincavam com os seus galhos carregados de folhas ao sabor da ventania. E agora tudo desnudo, cinzento, amarelado, com as folhas caindo e se estendendo pelo chão. Chamam de outono essa dor.
E vem um pintor, coloca seu cavalete diante da árvore desfolhada e tendo à mão uma fotografia, começa a pintar a coisa mais estranha do mundo. Reproduz na sequidão da paisagem um jardim florido apenas porque seu amor vai tomar formas ali colhendo uma flor.
E depois, com o quadro já pronto, ainda úmido nas cores, olha para a árvore triste e sua pintura alegre e desiste da falsa felicidade. Apanha no chão um punhado de folhas secas e espalha por cima e começa a chorar. Então penso que sou eu o pintor, pois também tenho razões para aquela dor.
Baixo a cabeça, olho para debaixo da janela, não quero ver mais. Aperto os olhos, esmago a lágrima, tudo escuridão, não quero ver nada. Continuando nesse negrume forjado, eis que vejo a dor sorrindo, a dor brincando, a dor zombando de mim. E porque não me vencerá, procuro olhar sem tristeza o que me resta de dia.
E a passarada trilha sua revoada, o sol vai esmorecendo e perdendo o seu brilho, o céu já não é mais azul, o céu já não é senão de um vermelho/amarelado que me faz lembrar do escurecer, da noite que logo virá. Mas ela não me pegará de surpresa, não aumentará minha dor, não me trará lembranças e recordações tão dolorosas, pois assim que sair da janela vou adormecer até chegar amanhã.
Mas será que dormindo, de olhos fechados, longe, afastado de tudo, sem paisagem e sem motivo de dor, tudo será diferente? Que bom seria que fosse assim, mas o sono se transforma em viagem e o que sonho me faz cansar, ferir os pés descalços pela estrada, ter fome e sede por dias e noites à sua procura sem jamais encontrar. Toda noite sonho assim, pesadelo cheio de dor, e jamais sequer a avistei ao longe pelos campos.
Mas hoje vou enganar essa maldita dor. Ao invés de deitar tão cedo vou tomar uma taça de vinho, ouvir uma música, escrever um poema. E tenho certeza que estarei feliz, na dor.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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