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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 31 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 31

                                         Rangel Alves da Costa*


Assim que Carmen fez a chamada, Dona Glorita não demorou a atender ao telefone. Após um rápido cumprimento, por enquanto evitou perguntar sobre o conteúdo da sentença e se contentou em indagar apenas se ela havia comparecido naquela manhã ao escritório do advogado e se tinha encontrado Dona Leontina por lá.
Então a mãe de Paulo respondeu que havia comparecido sim, mas que nem tinha entrado no escritório, vez que encontrou Dr. Auto na porta e o mesmo afirmou que não sabia bem o porquê, mas ainda não havia saído nada não. Ia falar mais sobre as esperanças dada pelo advogado mas foi interrompida por Carmen, novamente perguntando se soube se Dona Leontina havia andado por lá.
A mulher respondeu que não e ouviu Carmen dizer que por favor aguardasse uns dez a quinze minutos que retornaria a ligação, pois tinha que se certificar de um assunto muito importante. Desligou o telefone e entrou rapidamente no carro, dando a volta para entrar noutra rua, um pouco mais longe, onde lembrava ter visto uma lan house. Ao menos era isso que a placa dizia. Parou o carro em frente e encontrou o que queria.
Sentou diante de um dos computadores, lado a lado com a meninada que não lhe tirava os olhos de jeito nenhum, e acessou a página do tribunal. Pegou na bolsa a agenda com os números dos processos e fez a pesquisa. Ali estavam as duas sentenças, lançadas no sistema naquele mesmo dia. Então o Dr. Auto havia mentido para Dona Glorita, não havia dúvidas. Imprimiu as duas sentenças na íntegra, guardou as folhas na bolsa e saiu mais apressada do que carregador de lixo que tem de acompanhar o caminhão.
Entrou no carro, porém bateu a chave duas vezes e retrocedeu. Com a cabeça pensando mil coisas, não conseguia seguir em frente de jeito nenhum. Era só ligar a chave e ir para onde quisesse, mas ficou ali dentro por uns dez minutos tentando costurar uma colcha de retalhos esmiuçados por infinitos mistérios.
E se perguntava o porquê de o advogado mentir e dizer que a sentença não havia ainda saído; o porquê de Dona Leontina ter saído para ir até lá, não ser encontrada no escritório e não ter retornado à sua casa; o que estava por trás disso tudo. Naquele estado de aflição que convivia, correta com os seus compromissos como parecia ser, tinha a máxima certeza que a mãe de Jozué não havia deixado de comparecer ao menos para ouvir o pior. Mas por que ela havia sumido? E Carmen ficava a ponto de enlouquecer.
Ali mesmo dentro do carro lembrou-se de telefonar novamente para Glorita e dizer que o advogado a havia enganado. Aproveitaria para fazer outras perguntas mais que necessárias. E assim fez, ouvindo do outro lado um indescritível espanto:
“Mas é verdade, menina Carmen, é verdade que a sentença já tinha saído e ele sabia disso e ainda assim me disse que não? Por que ele haveria de negar isso, Carmen, por que ele não teve a coragem de dizer que já tinha conhecimento de tudo e acabar com essa danada de aflição de uma vez por todas? E o pior, por que ele ficou enrolando, dizendo que já que não tinha saído era porque talvez o juiz estivesse revendo sua decisão, de modo a soltar o meu filho? Com quem esse advogado pensa que está lidando, menina Carmen, só porque sou mulher, pobre, não tenho sobrenome importante e sou mãe de uma pessoa que está presa? Ele mesmo sabe que o menino é inocente, ele mesmo sabe que foi tudo uma armação da família da mocinha para incriminar o meu filho, para jogar nas costas dele crimes que ele nunca praticou. Por que, menina Carmen, por que ele haveria de fazer isso?...”.
E Carmen ouviu a pausa e o choro aflorando, a dor brotando do fundo do coração, a voz ofegante dos que estavam com dificuldades até de respirar. Pediu calma, pediu muita calma, dizendo que iria ajudar no que pudesse. Porém ouviu uma pergunta que a deixou completamente desconcertada, sem saída, pois a colocava com uma responsabilidade que não era sua, mas sim do advogado. “Já que a moça sabe que a sentença saiu mesmo, será que teria coragem de me dizer, de uma vez por todas, o que ela diz?”. Foi a pergunta da mulher.
E uma luz se fez na sua mente, e com ela veio a melhor resposta, ainda que soubesse que iria mentir:
“Dona Glorita, sei que a sentença saiu porque há pouco vi o resumo no site do tribunal, mas ainda não tive acesso ao conteúdo completo da decisão. Se eu estivesse com tudo aqui em mãos certamente que eu leria as partes mais importantes pra senhora. Mas não vai demorar muito para que eu tome conhecimento de tudo. Ainda assim acho melhor que a senhora procure o Dr. Auto e exija uma posição dele. Ele tem de se pronunciar sobre isso o mais urgente possível. Não telefono porque não quero que ele saiba que estou entrando em contato com vocês. Não diga quem falou não, mas passe pra ele que alguém lhe confirmou que a sentença saiu hoje mesmo. Pergunte por que ele negou e depois exija que ele detalhe tudinho, dê todas as explicações. Tá certo?”.
“Mas eu só vou poder fazer isso amanhã”, disse a angustiada mulher. Contudo, mesmo não pretendo puxar demais dela diante daquela situação, perguntou novamente se tinha alguma notícia sobre Dona Leontina. E ouviu o que realmente teria de ouvir:
“Não encontrei a pobre da Leontina lá não. Também nem pude entrar no escritório, pois era como se o homem estivesse afastando eu e minha família dali da porta. Mas creio que se ela foi, e com certeza ela foi, ele disse a mesma coisa que falou a gente. Enganou a pobre coitada e talvez ainda deu o trabalho de voltar amanhã...”.
E Carmen ajuntou: “Eu também acredito que ela tenha ido até lá, pois saiu de casa logo cedinho dizendo aos vizinhos que ia até a cidade. O problema é que ela foi e não voltou pra casa até cerca de meia hora atrás. E ela não ia ficar na rua, sozinha, preocupada daquele jeito, até essa hora...”. “Meu Deus do céu, será que aconteceu alguma coisa com ela?”. Depois dessa última pergunta Carmen afirmou que voltaria a entrar em contato e se despediu. Já sabia o que fazer em seguida.
Retornou ao local onde estava residindo provisoriamente, se trancou no quarto e discou o número do telefone de Dr. Auto. Se principalmente ele podia responder se a mãe de Jozué havia estado ali, então que fosse instigado a falar sobre isso. E porque já sabia o que ele havia feito com Dona Glorita, das deslavadas mentiras mais uma vez espalhadas, faria tudo para se conter, de modo que o mesmo não desconfiasse que estava acompanhando tudo aquilo de perto.
Assim que ele atendeu, procurou ser rápida e objetiva: “Dr. Auto, como vai? É Carmen quem está falando. Só telefonei para perguntar se aquela sua cliente, Dona Leontina, mãe de Jozué, esteve aí no escritório hoje pela manhã?...”.
O impacto da pergunta foi tamanho no advogado, que a mão estremeceu e o telefone desabou.

                                                       continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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