SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 25 de setembro de 2011

A RAPADURA DE JUAZEIRO (Crônica)

A RAPADURA DE JUAZEIRO

                                         Rangel Alves da Costa*


Na cidade onde moravam não tinha jeito. Por mais que olhassem de cima a baixo novamente sempre se constatava que Juquinha e sua avó eram as pessoas mais pobres do lugar, moravam na casinha mais empobrecida, eram os mais precisados de tudo.
Realmente o neto havia sido criado pela avó desde pequenininho, desde que os pais arribaram dali pra nunca mais dar nem notícia do paradeiro. Agora ele já era rapaz feito, bonitão, muito simpático como pessoa, trabalhador, mas com uma característica marcante que dificulta a vida de qualquer cristão, que é a pobreza.
Considerando-se que naquele lugar, como em tantos outros mais pra baixo e mais pra riba, a pessoa só vale pelo que tem, então se pode afirmar que o rapazinho era visto como um zé-ninguém, como um zero à esquerda, como mais um pobre que não devia nem ter nascido.
Tal situação de penúria deixava a pobre da avó sem mais saber o que fazer. Trabalhar ela não podia mais naquela idade; ele não arrumava nem emprego nem bico de jeito nenhum; esmolar pelas ruas nem ela nem ele jamais pensavam em fazer, mesmo que estivessem passando fome.
O único dinheiro que entrava na casa era uma parte da aposentadoria por velhice que ela recebia; coisinha pouca mesmo, pois o gerente do banco todo mês dizia que o dinheiro estava chegando cada vez menos, pois estava sendo descontada uma parte referente a um empréstimo aditivado sob o fundo vinculado de movimentação anterior à aceitação posterior. Quer dizer, enganação pura para ficar com o dinheiro da velha, e assim fazia todo mês, na roubalheira e na cara de pau.
Verdade é que a coitada chegava em casa com dois contos de réis, depois de passar na vendinha e pagar umas comprinhas feitas. O dinheiro que sobrava dava somente pra comprar um quilo de carne com osso, um quilo de tripa, uma massa de milho e um litro de querosene pra acender o candeeiro. Às vezes não tinha dinheiro nem pra o pavio.
Nesse ruma e vai, a roupa mais nova que Juquinha tinha já tinha lá pra mais de três anos, e calça curta que mais parecia um bermudão apertado. Camisa de malha com dois furinhos escondidos e que não dava pra ninguém perceber logo de cara. Sapato não tinha também não e se contentava e muito em calçar seu roló já de muita pizança. Pra quem não sabe, roló em um sapato de couro cru muito apreciado pelos matutos do sertão.
Contudo, o que mais preocupava a avó era o futuro amoroso do neto, pois já rapaz feito e não tinha jeito de namorar de modo algum. Ora, as mocinhas dali, todas bonitinhas e cheirosas demais, jamais iriam lançar um olhar esperançoso para um pobretão nem aceitar de suas mãos o mais belo buquê de flores. Os próprios pais delas não consentiam que se rebaixassem aceitando na porta um rapaz que não tivesse o dote do nome familiar ou da riqueza material.
Desse modo, a pobre velhinha passava horas e horas matutando sobre o que fazer para mudar aquela situação. Já havia feito todo tipo de promessa, orado por todos os santos, se endividado de não acabar mais de tanta vela que comprou pra acender e nada de acontecer o contentamento daquele coração juvenil e virgem de tudo.
Desesperada, vendeu a vaquinha que ainda restava e no mês de outubro subiu num pau-de-arara rumo a Juazeiro do Padre Cícero Romão Batista, o Padim Pade Ciço. É nesse mês que os romeiros se dirigem ao sertão cearense para se ajoelhar aos pés da estátua do santo padre e agradecer as graças recebidas ou fazer os mais diversos e estrambólicos tipos de promessas e pedidos. A dela era muito simples: apenas que o neto arranjasse uma namoradinha.
Confiante demais que o santo padim iria atender seu pedido, desceu as escadarias com as mãos levantadas aos céus e lágrimas molhando a velha face contagiada pela fé. Como não tinha dinheiro pra comprar qualquer lembrancinha, a única coisa que conseguiu foi trocar uma moeda por uma rapadura. E fez mais, pois entrou na igreja e benzeu a rapadura.
Prometeu ali mesmo que a primeira namorada que o neto arranjasse ia ganhar dele aquela rapadura de presente. Na sua concepção de nordestina, ser presenteada com uma rapadura legítima e vinda diretamente do Juazeiro do Padim Ciço não era pra qualquer uma não.
Chegando em casa toda estrebuchada pelo cansaço da viagem, ainda assim a primeira coisa que fez foi avisar o neto da promessa feita. Então o rapazinho entristeceu de vez e chegou à conclusão que até poderia arrumar uma namorada, mas se desse aquele presente ela terminaria o namoro na hora.
A rapadura bonita e com jeito de saborosa foi colocada bem dentro do oratório. Desesperado e pensativo demais, sem saber o que fazer, o rapazinho fazia que se ajoelhava diante do oratório e ia beliscando a danada. E pedacinho a pedacinho, não durou nem dois dias e não restava nem mais sombra do objeto prometido.
Quando abriu o oratório e viu o canto mais limpo, a velha deu um grito e quase cai pra trás. Milagre, milagre, gritou. Alguma santa gostou da rapadura prometida e fez o milagre da gulodice: lambeu todinha de uma vez só. Foi essa a constatação da pobre mulher.
E foi logo avisando ao neto que esquecesse mulher desse mundo que ele já estava prometido à santa. Menos mal, pensou ele, e saiu com a boca adocicada em busca de outra boca que lhe fizesse o milagre do beijo.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  

Nenhum comentário: