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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

JÁ HAVIA PENSADO NISSO? (Crônica)

JÁ HAVIA PENSADO NISSO?

                                  Rangel Alves da Costa*


Ora, já está chegando ao final do jogo da vida, até esse instante da rotineira partida todo mundo demonstrou a maior confiança, o maior respeito, a maior consideração e amizade por você. Mas agora, nesse momento, sem esperar e talvez sem estar pronto para tal, colocam uma bola na marca do pênalti. Do chute dependerá a vida. O que fazer?
Sabe que a trave está vazia, não há ninguém debaixo dela, nenhum goleiro pra defender. Aí é que a responsabilidade aumenta ainda mais. Se errar o chute e perder o pênalti naquelas condições será a maior desgraça da vida, a maior desonra, a maior vergonha. Então, o que fazer, chutar onde, em qual lado?
Sabe que a lógica diz que mirar o centro da trave e chutar é o melhor caminho a ser feito. Ocorre que também sabe que ninguém mira para acertar como quer, que ninguém dá um chute certeiro para a bola chegar como pretendeu. Ademais, a necessidade de acertar no meio da trave causa nervosismo demais, provoca medo e temor. Ora o gol se agigante demais, ora some diante do olhar.
E não somente isso, pois mesmo que a bola vá seguindo seu percurso certeiro dependerá da força que deu ao chute para que ela alcance o objetivo. Fazer o que então, colocar meia força no chute, mais ou menos força? E se, sem querer, pegar efeito na bola? E se tanta preocupação ocasionar um grave problema na hora que for chutar?
É preciso pensar em todas essas possibilidades antes de correr para a bola e chutar, a todo custo, pois a própria vida está no pênalti. Sim, mas está tudo mais fácil porque a trave está completamente vazia, não há goleiro, nada conseguirá impedir. Esquece, contudo, que quem poderá impedir que se faça o gol é o próprio, é quem vai chutar a bola.
Para correr para a bola e marcar o gol geralmente se requer um afastamento da esfera para ganhar impulso corporal e chutar com eficiência. Mas qual distância tomar? Não há nenhum buraco na marca da cal que impeça o chute certeiro, acertar a bola no local que se quer? E se a grama estiver remexida ou se a bola escorregou um pouquinho do ponto onde foi colocada? No pique, de lá pra cá, não haverá nenhum perigo de escorregar e cair?
Dizem que a cobrança de pênalti exige mais técnica do que força no chute. E sabe-se também que um chute clássico no meio do gol não exige que o jogador tome muita distância. Alguns passos e pronto e já estará pronto para chutar. Contudo, já houve ocasião que a bola saiu tão lenta que nem ultrapassou a linha do gol. Já o chute forte, desses indefensáveis, requer a tomada de considerável distância. Aí é onde mora o perigo, pois a chance de marcar o gol é maior, porém a de perder muito mais.
Ora, chutar a bola da marca da cal com brutal violência já ocasionou dissabores incontáveis. Muitas vezes o jogador toma uma distância enorme para dar ainda mais força ao chute e quando vem correndo escorrega no instante que bate no couro e sai um peteleco horrível. Outras vezes o arremesso feroz, ao invés do retângulo do gol, vai em direção a bandeirinha, sobe para a arquibancada, chegando mesmo a bola a sair pela lateral do campo. O que fazer então, maior ou menor distância da bola?
Se a distância for grande e no impulso dado o jogador contar com a sorte e acontecer tudo normal, com o toque certo da chuteira na bola, no local exato onde desejava chutar, com ou sem o efeito pretendido, na velocidade imprimida ao chute e na direção que se pretenda que a bola vá, então não haverá chance nenhuma de defesa. E nesse caso não haveria defesa mesmo. E por mais que algo queira interferir, ainda assim a precisão foi tamanha que de uma forma ou outra o gol vais ser marcado.
Contudo, é na distância entre o ponto onde o jogador se posiciona até o local onde está a bola que reside um dos maiores dilemas do jogador da vida: a consciência da responsabilidade. Assim, na terrível solidão que se estende desde o momento que coloca a bola na marca da cal e vai caminhando lentamente até o local de onde partirá para o chute, tudo vem à mente num só instante, as dores, as angústias, as alegrias, os sofrimentos, as realizações...
Dependendo do que fez e do que faz na vida, pode até correr e chutar de olhos fechados. Essa vitória será merecida. Resta erguer as mãos para o céu e comemorar. Alguém lá em cima estará aplaudindo.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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