A MENINA DOENTE
Rangel Alves da Costa*
Costumo colocar quadros famosos como planos de fundo do meu computador. Mas nem toda pintura tem espaço ali, pois escolho a dedo as obras que expressam um verdadeiro despertar nos meus sentimentos. Muitas vezes, não pesquiso nem digito nada, apenas fico olhando minutos a fio o significado daquelas criações artísticas. E quanto isso tem me inspirado!
Podem achar muito estranho, mas me encanto com quadros que expressam tristeza, situações dolorosas, cenas onde as névoas se misturam à luz para dizer da solidão. Aprecio muito - e isso me toma um tempo danado em frente à tela - os quadros onde Rembrandt retrata filósofos no seu mundo solitário, nos seus ambientes monásticos, permeados pelo claro-escuro que é o próprio contraste da vida.
Contudo, já faz tempo que me encantei com uma magistral obra do expressionismo alemão, até mesmo despretensiosa para muitos, intitulada A Menina Doente onde o pintor norueguês Edvard Munch, o mesmo autor da famosa O Grito, retrata a angústia, o desespero e a dor de uma parenta, talvez a mãe, ao lado do leito de uma menina doente. E que situação mais triste, meu Deus!
Na obra, toda construída com pinceladas fortes e de cores escurecidas, muitas vezes chegando ao negro para expressar um sentimento doloroso perante a situação retratada, logo se vista um quarto onde repousa uma enferma. Nela vê-se uma jovem de pele clara (ou seria da palidez doentia?), cabelos lisos em tons avermelhados, vestida de negro, com mangas que chegam até os pulsos, com feições ainda de reconhecida beleza, deitada no seu leito, com os braços estendidos sobre uma colcha também escurecida e o rosto levemente voltado para uma mulher que segura na sua mão.
A menina doente não, pois possui no semblante uma aceitação própria do seu estado, que é tão própria dos enfermos que parecem querer confortar os outros com o seu padecimento e até proximidade do fim, mas a mulher é a mais pura demonstração de angústia e aflição. Sentada ao lado do leito, segurando com as duas mãos a mão esquerda da parenta ou filha, na sua cabeça baixa e no seu corpo curvado, residem toda a dramaticidade pretendida pelo artista.
Não precisava que ela levantasse a cabeça para dizer de sua dor lancinante, nem deixasse os olhos à mostra para dizer de suas lágrimas incontidas. Talvez seja uma mãe sim, e talvez ali esteja sua filha, menina muito doente recebendo o aconchego da genitora. Mas que consolo, que lenitivo, que carinho, se a completamente desconsolada é a própria mãe que chora, que grita por dentro, que não sabe mais o que fazer diante daquela situação?
A pintura, pela sua expressividade e utilização de cores fortes e sombrias para descrever tanto a situação psicológica como o ambiente de convalescença, possui muitos adeptos, ainda que não iniciados na crítica de arte. Raquel Lautenschlager Santana, em texto também intitulado “A Menina Doente”, publicado no site Belas Artes Médicas, (http://belasartesmedicas.blogspot.com/2011/09/menina-doente.html), assim se expressa sobre a pintura de Munch:
“Hoje (...) acabei lembrando-me de um quadro de Edvard Munch, intitulado "A Menina Doente", que representa os últimos dias da irmã do pintor, que acabaria por falecer devido a um quadro de tuberculose. Neste quadro, há um predomínio de tons sóbrios e escuros, como as paredes e as vestimentas cinzentas das personagens, entretanto o fundo sobre o qual a menina repousa (o travesseiro) é luminoso. Tal luminosidade reflete o semblante da menina, que não parece enraivecida com sua condição, muito pelo contrário, parece compreender a transitoriedade da vida”.
É isso mesmo, a transitoriedade da vida. E fico me perguntando e com raiva de mim mesmo: por que aquele copo com remédio colocado num canto da mesinha não curou a menina doente? Tens razão, mãe, com sua dor. É a transitoriedade da vida...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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