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terça-feira, 6 de setembro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 22 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 22

                                         Rangel Alves da Costa*


Com essa ideia martelando na cabeça, Carmen perguntou a Dona Glorita por que ela achava que o deputado tinha alguma coisa a ver nessa defesa desastrosa tanto de Paulo como de Jozué, vez que ele mesmo havia mandado que o Dr. Auto fizesse todo o esforço jurídico possível para libertá-los.
A mulher afirmou que não sabia responder sobre esse pensamento, mas que uma coisa, lá no fundo do seu coração de mãe, dizia que algo muito estranho estava acontecendo. Por alto, podia apenas dizer que não era possível que um advogado já soubesse que o seu filho estava condenado e ele mesmo impor pagamento por fora para continuar no processo, quando a ordem dada pelo deputado foi que continuasse até o fim. Desse modo, entre os dois, o advogado e o deputado, certamente haveria outro acerto que por ora ninguém conhecia. Mas qual seria?
Carmen afirmou que faria tudo para não deixar dúvida a esse respeito, e mesmo que estivesse entrando em período de férias, não descansaria enquanto não esmiuçasse a relação entre os dois. E do mesmo modo que disse a Dona Leontina, afirmou que ela não tivesse dúvida quanto à sentença, que quando fosse até lá para saber o resultado não esperasse outra coisa senão a condenação ao tempo máximo previsto em lei.
E disse ainda que acima de tudo mantivesse a firmeza de mãe, ficasse calma, confiasse na justiça divina, dissesse ao advogado que confiava nos recursos jurídicos que ele pudesse manejar dali em diante e não se preocupasse com pagamento. Se o deputado não continuasse pagando a defesa ela mesma faria tudo para dar um jeito e arrumar o dinheiro, o mais rápido possível.
Mesmo com assuntos tão difíceis a tratar, ela perguntou a Glorita pela outra filha e se por ali havia uma fotografia de Paulo, pois gostaria muito de conhecer sua feição, já saber as características para quando fosse visitá-lo. Segundo a mãe, a filha estava trabalhando no centro da cidade. Trabalhava no comércio pelo dia e estudava à noite. E quando trouxe a fotografia de Paulo foi logo dizendo:
“Aí tem outros retratos do meu rapaz, mas trouxe essa aqui porque é maior, mostra ele inteiro, todo bonitão como sempre foi desde pequenininho. Em ordem de pobre é bonito demais o meu filho, e não porque sou mãe não. Todo mundo diz isso. Esse retrato era o preferido dele, pois guardava bem na porta do guarda-roupa. Tá vendo essa menina aqui? Essa é a menina que gostava dele e por causa dela houve esse problema todo. Estão abraçadinhos como se fossem namorados. Muito bonitinha ela se não fosse de família tão ruim...”.
“Que família, a senhora sabe o nome do pai dela?”. E Carmen demonstrou bastante interesse nessa pergunta, pois sabendo o nome do pai depois poderia saber muito mais coisas sobre o seu envolvimento na prisão de Paulo. Então Glorita respondeu que não sabia bem o nome não, apenas que é era muito rico e irmão de um juiz. E foi tudo que Carmen pôde obter, o que já era de relevância para entender melhor toda aquela história.
Depois de explicar como poderia ajudar dali em diante, ofereceu também uma pequena ajuda em dinheiro, coisa pouca, que houve relutância em aceitar, mas que Carmen praticamente forçou que a mulher guardasse der qualquer jeito. Mais uma despedida em meio a lágrimas e abraços, mais um até mais com a certeza de que, infelizmente, o próximo encontro não seria alegre e festivo como tanto desejavam que fosse.
Já havia oferecido um pequeno auxílio à mãe de Jozué e também ofereceu a esta, mas não que a quantia significasse qualquer coisa além da compra de uma cesta de alimentos, por exemplo. Tinha até receio de que pudessem ver esse gesto como esmola, quando era apenas um aceno humanitário. Até que poderia dar muito mais, pois contava com dinheiro suficiente para tal. Deixaria para outros momentos de maior precisão, se o futuro assim determinasse.
Verdade é que trabalhava no escritório muito mais pelo estágio do que pelo valor que recebia. Os seus pais, moradores do interior, donos de muitas terras, plantações e criatório volumoso, não deixavam faltar nada à filha, insistindo muitas vezes em comprar uma casa luxuosa, ter empregadas, manter uma vida mais sossegada. Mas ela, na sua simplicidade, preferia morar num apartamento pequeno e, sem namorado, trilhar apenas o seu sonho de se formar advogada.
Entrou no carro e foi fazendo todo o percurso de volta intrigada com um monte de situações. Surgiam perguntas e mais perguntas, suposições até absurdas, mas que não podiam deixar de ser consideradas.
Será que suas férias forçadas faziam parte do acordo entre o advogado e o deputado, de modo que ela não ficasse sabendo daquela maracutaia toda? Qual o verdadeiro acerto existente o Dr. Auto e o Deputado Serapião, no que dizia respeito à defesa daqueles dois pobres rapazes? Será que o pai da mocinha estava por trás tanto da prisão do inocente como de sua condenação? Qual o verdadeiro interesse e quem estava por trás da condenação de Jozué, utilizando-se do nome dele para tanta maldade? Qual a relação entre o advogado, o deputado e os outros interessados? E o juiz, tio da mocinha, o que tinha a ver com essa história toda? Outras pessoas estariam envolvidas?
Com essas terríveis dúvidas estacionou seu carro na garagem do edifício onde morava. Dali só sairia para a universidade, mas no dia seguinte iria retornar ao escritório. De qualquer modo teria que fazer isso mesmo, pois havia trabalhos que ficaram pendentes, mas agora também com outros objetivos.

                                                       continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  


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