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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 24 de setembro de 2011

SERTÃO DE DAR INVEJA (Crônica)

SERTÃO DE DAR INVEJA

                                Rangel Alves da Costa*


Por mais que tenha havido certos exageros nos relatos nordestinos que povoaram a história contada na novela Cordel Encantado, a audiência espetacular e o reconhecido gosto da maioria pelas proezas do povo sertanejo, já servem para exemplificar o poder encantador que possui o sertão.
Seguindo na exemplificação, aquilo que se viu em aspectos do entrelaçamento do pano de fundo da novela não foi nada de novo. O que houve, isto sim, foi uma relembrar do que é tão próprio do povo nordestino e faz parte de sua história e sua cultura.
O sulista se encantou com a história não porque a mesma se voltou para uma realidade inovadora ou um realismo fantástico, meramente fantasioso, mas sim porque foi despertado para a existência de muitos valores nordestinos que ele próprio sempre relegou ou nunca se permitiu dar o devido valor.
Ora, o que pareceu magistral inventividade das autoras nada mais foi do que a exploração, num misto de ficção e realidade, do conceito que se alastra pelo sertão: o próprio sertão, com seus mitos, lendas, folclore, tradições, histórias e até estórias. Daí o lugar do cangaço, do cangaço, da fé e da religiosidade, do fanatismo, do beato predizendo as coisas do mundo, daquele que vive percorrendo as feiras e caminhos para dizer da sorte do povo.
Mas a novela acabou, e agora? Será que o sulista vai esperar a próxima trama global para reencontrar o sertão e suas realidades? Talvez sim, pois a memória da maioria da população é curta demais, não costuma alcançar além do momento ou do que a televisão joga-lhe na cara. Ademais, só costumam enxergar o sertão através do noticiário e das mazelas que se espalham nas suas vertentes mais irreais.
Conhecer o sertão é vivenciar sua realidade, conhecer o seu povo e se inteirar, ao menos, de parte de sua história. Toda crítica ou aplauso que se faça ou se dê necessita ser fundamentada, sob pena de preconceito, inverdade ou pura mentira. Não esquecendo de que as realidades, numa visão etnocentrista, devem ser vistas dentro de suas próprias perspectivas e não segundo os ditames, anseios e interesses daquele que simplesmente está ou vê.
A novela acabou, é verdade, então que tal agora começar a sentir que se houve encantamento com a história bonita de um povo valente, alegre e estranhamente belo, tudo aquilo não passou apenas de um mote, de uma motivação, e que a realidade pode ser ainda mais fascinante? Os livros, os jornais, a televisão, o cinema, o disse-me-disse da cidade grande é quase nada diante da realidade vivenciada.
Há um sol mais quente, mais ardente, mais assustador em certas ocasiões, sim; há uma pobreza que se alastra pelas distâncias e um povo faminto e de olhar entristecido sim; há um mundo diferente e desconhecido sim; há um sertão que ainda não foi conquistado sim. Mas também, e muito mais, há um deslumbramento em cada olhar, uma história bonita em cada ouvir, uma saga de luta e de grandeza em cada acreditar.
Jorge Amado já relatou as proezas pela conquista da terra, seus coronéis e as belezas de um povo que não se cansa de guerra; Graciliano Ramos já mostrou o sertanejo na sua triste sina da luta pela sobrevivência em meio à desolação do tempo; José Lins do Rego já mostrou como era a vida noutros tempos de engenhos e de moleques traquinas. E só para citar estes autores que não somente descreveram seu berço com maestria, mas principalmente mostraram ao mundo qualidades essenciais e características do povo nordestino.
Digo sem medo de errar que não há no País inteiro uma cultura mais rica do que a nordestina, uma história mais corajosa do que a sertaneja, uma vida mais dignamente autêntica do que o do matuto, do caipira, do homem pisando na sua aridez. Quem não quiser acreditar, que venha conhecer tudo isso em versos de cordel, nos livretos pendurados no barbante no meio das feiras, nas cantorias e nos repentes de um povo que não desafina nunca.
Gente boa é esse povo, e quanta história pra dar e vender, pra transformar em novela e o povo se admirar. E já imaginaram se escrevem um folhetim televisivo misturando de uma só vez personagens como Luiz Gonzaga, Mestre Vitalino, Padim Ciço, Lampião e Maria Bonita, Antonio Conselheiro, Patativa do Assaré, Cego Aderaldo, eu e você, todos nós sertanejos?
Como diz Patativa, cante lá que eu canto cá. Primeiro conheça, pra depois falar do meu lugar!




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

  

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