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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 21 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 21

                                         Rangel Alves da Costa*


Mesmo sem abrir o pequeno envelope, porém já imaginando o que seria, Dona Leontina ficou tão emocionada que, com a voz completamente embargada, não conseguiu falar e apenas gesticulou que Carmen esperasse um instantinho. Não demorou muito e voltou com um antigo rosário na mão e foi logo dizendo que ela não poderia deixar de aceitar.
Outros abraços carinhosos e enfim a futura advogada deixou o Cafundó do Judas em direção ao outro lado da cidade, rumo a Quase Paraíso, local de residência de Dona Glorita, a mãe de Paulo. Com o mesmo problema a coitada, sofrendo a mesma enganação do safado, verdadeiro salafrário, do advogado Dr. Auto Valente. Mas que valente que nada, que valentia coisíssima alguma, covarde, pusilânime, um exemplar acabado do pior que existe na classe advocacia. E que são muitos, muito mais do que se supõe, imaginou a mocinha por instantes.
Contudo, assim que saiu da região do Cafundó e seguiu de mapa estendido ao lado para outras distâncias, o percurso foi sendo grande parte feito com o pensamento de Carmen voltado para a fotografia de Jozué na parede. Que belo, jovem e pobre rapaz, com um sorriso igualmente bonito no rosto, cara de satisfação e disposição para viver e agora sendo tão injustiçado.
Sabia que a penitenciária, suas imposições desumanas e as vidas jogadas ali em desvalia, tornava a pessoa mais linda do mundo no mais medonho ser humano. As feições vão se modificando pelo sofrimento, os olhos perdem o brilho da esperança na vida, a boca desaprende a sorrir, os cabelos ficam aos desvãos do tanto faz, o resto do corpo vai acompanhando todo o definhamento do espírito. E não há beleza que resista à violência causada por outros que estão na mesma situação, à falta de higiene, de amizade, de diálogo, de alguém que chegue e diga que tudo aquilo está próximo de acabar. Muitas vezes não há mais família, pois ali esquecidos do mundo lá fora, abandonados à sorte, muitas vezes, dos injustiçados. Dura, difícil, terrível, pesarosa demais era a vida de presidiário. E não há beleza que não se enfeie monstruosamente diante de uma situação de eterna agonia. Qualquer dia iria visitá-lo, faria isso sim. Mas preferia guardá-lo no pensamento como estava na fotografia, tão belo, tão cheio de vida.
Seguindo pista, entrando em ruas e avenidas, enfim avistou uma borracharia com o nome de Quase Paraíso e então teve a certeza de já haver chegado aos arredores da residência da mãe de Paulo. A mesma pobreza no semblante e na vestimenta do povo, nas moradias e nas construções, apenas um pouco mais limpa e organizada do que o local de moradia de Leontina. Com endereço agora à mão, mais adiante perguntou onde ficava a rua tal. Ainda estava longe, pois era lá no final.
Verdade é que quase o carro não consegue vencer os buracos por todos os lados, as ruas estreitas demais, os meninos correndo pra cima e pra baixo como se aquele mundo fosse somente deles e que tanto fazia que um veículo estivesse por ali ou não. Quando um desses meninos na correria que vinha quase entra de carro adentro, ela chamou-o para se certificar se era por ali mesmo que morava Dona Glorita, a mãe de Paulo.
Ao ouvir o nome de Paulo o garotinho nem respondeu, demonstrou repentinamente interesse e mostrando uma cara triste foi perguntando:
“A senhora veio trazer uma notícia boa sobre Paulo? Se a senhora for advogada dele solte ele logo porque todo mundo por aqui e por todo lugar tá muito triste com o que fizeram com ele. Uma pessoa tão boa, tão honesta, nunca fez mal a ninguém e nem nunca andou em meio ruim. A senhora sabia que de vez em quando ele até brincava com a gente, soltando pipa e jogando bola? Não sei porque fizeram isso com ele, inventando uma história que ninguém acredita, principalmente com ele que nunca usou droga nem roubou. Por favor, minha senhora, se a senhora for advogada dele solte o bichinho logo...”.
Coisa bonita de se ouvir, pensou Carmen. Comovida com o testemunho do garotinho, respondeu apenas que não era advogada dele não, mas que faria tudo pra ele ficar em liberdade o mais rapidamente possível. Mais alegre, sorridente, o menino apontou o dedo em direção a casa.
O carro foi acelerado e ela foi dizendo a si mesma o quanto seria bom que ele fosse mesmo logo libertado. Mas sabia que tão cedo isso não seria possível, que tão cedo os seus amiguinhos não teriam o prazer de compartilhar brincadeiras naquela pobre comunidade. Quase Paraíso!
Mas o menino correu mais que o veículo e quando ela alcançou o local a visita já estava sendo devidamente anunciada. Dona Glorita corou de surpresa e satisfação. E ao modo da outra, também pediu desculpas por receber uma pessoa tão importante numa casa tão modesta. Talvez porque ali morassem mais pessoas, pois a mulher além de Paulo tinha outra filha, a casa era um pouco maior e mais equipada, contando com o conforto que fosse possível a uma pobre família.
Como fizera com Dona Leontina, quando Dona Glorita perguntou quais as reais possibilidades de a sentença ser boa para o seu filho, ela disse toda a verdade. Falou sobre o descaso do advogado, a brincadeira que havia feito com a vida e a liberdade do rapaz, e por fim confirmou que ele seria condenado à pena máxima para os delitos de tráfico de drogas e roubo com uso de violência, causando lesões corporais.
E explicou o que tudo isso significava, dizendo por fim que o seu destino brevemente seria a penitenciária, de modo a cumprir a pena em regime fechado. E quando foi perguntada como seria a vida nesse tipo de penitenciária e lhe foi explicado, a mulher, que já chorava copiosamente, desmaiou de cair da cadeira.
Como não havia ninguém em casa, Carmen entrou sala adentro, procurou açúcar no armário, encheu um copo de água, misturou tudo e fez uma garapa providencial, lembrando das lições de sua velha avó. Que a mulher desculpasse se tivesse diabete, mas era o que podia e sabia fazer no momento. Assim, deu umas leves palmadas no rosto, fez com que abrisse os olhos e conseguiu que ela ingerisse meio copo da água açucarada. Num instante já estava recuperada.
Assim que recobrou totalmente os sentidos, a primeira coisa que Dona Glorita disse foi que achava que não só o advogado estava por trás dessa condenação, mas o Deputado Serapião Procópio também. Espantada, Carmen se perguntou: Será?

                                                   continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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