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domingo, 4 de setembro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 20 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 20

                                         Rangel Alves da Costa*


Realmente, Carmen estava com motivos de sobra para estar comovida. Não suportou e teve de chorar ao ver a inocência, o esforço, o desespero daquela pobre mulher juntando seu quase nada, coisas simples, relíquias de toda uma vida, achando que as vendendo iria conseguir dinheiro suficiente para pagar advogado, principalmente aquele advogado.
Depois de se refazer do momento emotivo, colocou o braço sobre o ombro da mulher e pediu para irem sentar um pouco, pois precisava conversar sobre algumas coisas importantes. Já na salinha, olhando mais uma vez para a fotografia de Jozué e sua moldura de plástico, Carmen falou:
“Dona Leontina, pelo amor de Deus, nem pense em se desfazer daqueles objetos, daquelas coisas ali que fazem parte de sua história e são muito importantes na sua vida. Até um par de alianças, sinal de uma bela história de amor, de uma união, de uma vida, iria ser vendido por qualquer preço. Alianças, aneis, lembranças de tempos mais jovens e fotografias são coisas que a gente não pode deixar de guardar enquanto viver, devendo passar de geração familiar a geração familiar. É a nossa própria história que está em cada um desses pequenos objetos. Por isso se desfazer jamais, de jeito nenhum, nem pense nisso. Ademais, vou ser muito sincera com a senhora. Nesse momento, não ia adiantar de nada procurar vender qualquer coisa, pois o seu filho Jozué, infelizmente, não tem chance alguma de sair dessa livre. É duro, é difícil, mas com sinceridade tenho a dizer que ele vai ser condenado e recebendo a pena máxima. Tudo que o verdadeiro bandido deveria receber, na qualidade de pessoa que já respondeu a outros processos, que era reconhecidamente criminoso e procurado pela polícia, o seu filho vai receber. Não foi e nem será provada a inocência dele, ao menos nesse estágio que está, e por isso mesmo vai receber uma pena muito pesada. Isso significa que seu filho, ainda que doa demais afirmar isso, vai sair daquela prisão que está agora, que não passa de uma penitenciária chamada casa de passagem, e vai para outro lugar, para um presídio ainda pior...”.
A mulher ficou totalmente desesperada ao ouvir tais palavras. Baixou a cabeça, colocou-a entre as mãos e conseguiu somente dizer:
“Mas o Dr. Auto disse que ainda tinha jeito de soltar meu menino, que essa tal de sentença podia ser boa pra ele. E agora a moça vem me dizer que não tem jeito mermo, que ele vai prum lugar ainda pior, que certamente é o lugar onde ninguém sai mai como gente. E como a mocinha sabe disso, se o juiz aina não disse que meu Jozué é culpado de alguma coisa? Esse home, esse juiz, não deve ser cego, não deve deixar de ver que se existe um bandido com o mermo nome do meu filho é outro e não ele...”.
Carmen aproximou mais a cadeira, passou a mão pelo lenço encobrindo os cabelos e tentou reconfortar:
“Se acalme Dona Leontina, se acalme, fique assim não que sou sua amiga e estou aqui para ajudar. Pode confiar em mim. O problema é que a senhora sabe, eu sei e todo mundo por aqui sabe que o seu filho é inocente, nunca foi envolvido com o mundo do crime e que isso que fizeram com ele foi um erro imperdoável, mas aquele juiz não pensa assim e não quer nem saber se houve erro da polícia ou não. Caberia ao advogado dele, Dr. Auto, provar por a mais b que aquele Jozué que está preso não se trata do outro indivíduo do mesmo nome, mudando só uma letra no primeiro nome. Mas provar isso não bastaria que juntasse documentos mostrando que um é Jozué com a letra z e ou outro é Josué com s, mas evidenciar outros meios de provas, periciais e testemunhais, que não deixasse nenhuma dúvida na justiça. Mas o pior é que o advogado não trabalhou nesse sentido, não se esforçou nem um pouquinho para provar nada disso. Pra dizer a verdade, o Dr. Auto não fez quase nada para defender o seu filho, não se esforçou como um advogado de responsabilidade e ética deveria fazer. E ao tratar com descaso um problema tão grave, logicamente que ele está ajudando a provar que o seu Jozué é mesmo o tal perigoso bandido. E digo ainda que ele já sabe que o seu filho está condenado a pena máxima que o crime requer porque o próprio ajudou a condená-lo, e quando o juiz assinar a sentença estará assinado também em nome do promotor que denunciou e do advogado que se omitiu em defender com honestidade o próprio cliente. Mas é aí que surge um problema maior...”.
“O que, pelo amor de Deus?”, perguntou a mulher, parecendo completamente fora de si. Então Carmen tentou explicar o que via como grave problema:
“O problema agora é tentar descobrir porque Dr. Auto agiu assim, de modo até a ajudar na condenação. E não somente com relação a seu filho Jozué, mas também com respeito ao Paulo, filho de Dona Glorita. Os casos são diferentes, mas os absurdos na defesa são idênticos, iguais mesmo, e é por isso que alguma coisa muita estranha, uma força muito poderosa, deve estar agindo para desviar a atuação do advogado e torná-lo completamente corrompido, comprado, vendido. Mas vou descobrir o que ou quem está por trás disso tudo, e a senhora não há que duvidar quanto a isso. E é pelo que falei que a senhora não deve se desfazer de suas coisinhas, vender nada daquilo que está no quarto. Se vendesse e o quanto apurasse colocasse nas mãos dele não iria fazer diferença alguma, pois ele receberia a quantia que fosse e prometeria que no tribunal conseguiria a absolvição, colocar Jozué em liberdade. Ele não ia conseguir isso nunca simplesmente porque nada ia fazer. Mas que jeito de soltar o seu filho tem, disso não tenha dúvida. Mas primeiro vou tentar descobrir o que está por trás dessa história toda e depois direi como deve ser feito. Mas como eu já afirmei lá no escritório, se preciso for irei até pedir ajuda aos órgãos internacionais de justiça, mas essa ou essas injustiças não podem ficar assim de jeito nenhum”.
“Mas o que eu vou fazer agora, pelo amor de Deus?”. E Dona Leontina quase não falava mais de tanta aflição. E levantando da cadeira Carmen respondeu:
“Esperar um pouco mais, só isso que tem a fazer. Depois de amanhã a senhora vai lá ao escritório que ele certamente vai dizer que o juiz já deu a sentença e que o seu filho foi condenado a tantos e tantos anos. Vai dizer que a senhora não se preocupe não que é assim mesmo e que tudo pode ser contornado, ser resolvido de uma outra forma e que não se preocupe que o seu filho vai ser solto o quanto antes. Depois ele vai perguntar se quer que continue no caso para entrar com os recursos cabíveis e por fim vai voltar a falar sobre o dinheiro. Quando ele chegar a esse ponto a senhora diga apenas que já está providenciando a parte inicial da quantia que ele deseja receber. Só isso. Depois eu entro em contato com a senhora”.
Em seguida Carmen se despediu e saiu, com o coração tão machucado quanto o da pobre e sofredora mãe. Mas antes de entrar no carro retornou para colocar a mão na bolsa e entregar a ela um pequeno envelope. Era pouca coisa, mas ajudava a comprar algum alimento.

                                                 continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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