Rangel Alves da Costa*
Lá pelos idos de 1936, o camarada Josef Stalin, dirigente máximo da União Soviética, recebeu um relatório sobre a atuação do Partido Comunista na América do Sul e ficou boquiaberto com o que leu.
Constava do confidencial documento, denominado “Relatório Vermelho”, que a absorção pelos sul-americanos dos ideais comunistas estava casa vez mais difícil, principalmente no caso brasileiro, onde a Intentona Comunista ou Revolta Vermelha de 35 havia fracassado e os ideários revolucionários haviam perdido forças e começavam a se esfacelar.
Conta-se que Stalin deu um muro na mesa e perguntou o que poderia urgentemente ser feito, vez que o Brasil era considerado país estratégico para a disseminação da doutrina bolchevique. Preparar o povo para alcançar o poder através da revolução seria também uma forma de fragilizar esse povo quando o comunismo fosse instalado enquanto governo.
Quer dizer, a revolução levaria o povo ao poder, mas este mesmo poder seria repassado para uma classe dirigente que tomaria para si todos os meios de produção em troca da igualdade na distribuição de riquezas, fruto do trabalho de cada um. Ao menos era isso que se desejava por aqui.
Contudo, ao não despertar a conscientização do povo, a capacidade de arregimentação dos revolucionários passou a ser vista com desconfiança pelos camaradas do Partido em Moscou. E o relatório apontava exatamente isso, bem como a necessidade urgente de encontrar outros meios de disseminação da doutrina. E somente uma pessoa seria capaz de aglutinar forças para expandir o comunismo no Brasil. E este seria o camarada Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Imediatamente o camarada Pedrovitch foi indicado para a espinhosa missão de seguir até o nordeste brasileiro e se infiltrar no bando do Capitão Virgulino Lampião. Ora, mas não era nenhuma missão impossível para o agente, vez que o mesmo já falava bem o português e até havia percorrido muitas léguas das caatingas nordestinas quando estivera por aqui para ensinar táticas de guerrilha aos tenentistas.
Em missão ultrassecreta, o agente Pedrovitch partiu de Moscou diretamente para as terras baianas da Serra Negra, povoação onde havia um poderoso coronel com tendências comunistas. Havia sido o primeiro coronel nordestino a abrir seus latifúndios para que sertanejos empobrecidos ali produzissem o que a terra permitisse. Como contrapartida exigia somente a obediência do voto.
Contudo, o que mais pesou na escolha era a reconhecida amizade que o coronel mantinha com o Capitão Virgulino, recebendo-o juntamente com o seu bando todas as vezes que passava por aquela região. E tudo mundo sabia que o poderoso fornecia armas, dinheiro e os mantimentos que o rei dos cangaceiros precisasse. Eram, assim, amigos íntimos e com ideais até estranhamente parecidos.
Se Lampião também tinha por bandeira de luta acabar com as injustiças sociais que imperavam no sertão, o coronel - ainda que muitos desconhecessem essa faceta - era um intransigente defensor dos fins dos privilégios governamentais, dos altos impostos cobrados e da vergonhosa escravização das classes subalternas.
Ao chegar tendo às mãos a carta de Moscou, o coronel abriu seu latifúndio e poder para o que o camarada precisasse. Mandou chamar uns cinco cabras preparados e ordenou que se embrenhassem na mata com o estrangeiro, ensinando-o tudo o que sabiam sobre o sertão, sobre seus bichos, caminhos, veredas, tocaias, assaltos, defesas, principalmente como deveria ser a vida cangaceira.
Assim que o homem voltou, todo lanhado e cheio de espinhos, estropiado mesmo, porém preparado o bastante para a breve estadia no cangaço, o coronel fez do próprio punho uma missiva pro Capitão e mandou que levassem aquele homem até onde o bando estivesse. Depois de dois dias e duas noites cortando as brenhas esturricadas, enfim pediu a um coiteiro que fosse dizer ao Capitão que ali estava um enviado do Coronel Zé Lucena da Serra Negra.
Não demorou muito e Lampião já estava limpando o óculo para ler a missiva. Em seguida, olhou o estrangeiro de cima a baixo e perguntou seu nome verdadeiro. Quando o homem disse que se chamava Pedrovitch, logo ouviu que esquecesse esse nome, ao menos enquanto estivesse ali. Dali em diante o seu nome seria Vermelho. O cangaceiro Vermelho.
Desse modo, o camarada bolchevique, então cangaceiro Vermelho, começou a agir como um verdadeiro nordestino em missão de sangue e espinho. Tentava não demonstrar, contudo, que a sua verdadeira missão ali era interferir na cabeça, na mente do Capitão, transformando-o num ferrenho praticante e defensor dos ideais comunistas.
Após conseguir tal façanha, o passo seguinte seria fazê-lo aceitar receber no seu bando guerrilheiros treinados por Moscou e assim prosseguir na tomada de todo o sertão nordestino. Quando toda a região estivesse em seu poder, então ali seria o centro de partida para que o comunismo se instalasse de vez no governo. Através da guerra contra as forças governamentais, se preciso fosse.
Mas certas atitudes começaram a atrapalhar os planos do camarada e cangaceiro Vermelho. Chamava cachaça de vodka, pandeiro de balalaica, forró de dança cossaca e cismou que o São Francisco era o Rio Volga. E o pior, constantemente bêbado e dizendo que sentia frio naquele calor de lascar, subia nas pedras chamando Lampião de camarada e dizendo que ia prender os soldados da volante e mandá-los pra Sibéria.
O jeito que teve foi o Capitão mandar o enlouquecido de volta pra fazer sua revolução noutro lugar. E montou ele num jumento e disse que a Rússia ficava um pouco mais na frente. E nunca mais o camarada Pedrovitch foi visto.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Muito interessante sua matéria (como o comonismo se infiltrou no cangaço). Gostaria de saber se realmente isso aconteceu, qual foi fonte de pesquisa, livro, jornais etc..
Atenciosamente,
Neto - Natal
E-mail: netosilva_01@yahoo.com.br
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