*Rangel Aves da Costa
Homem simples, humilde, sertanejo, eu gosto
de conversar com Bastião. E aprecio mais ainda quando ele começa a contar suas
aventuras e desventuras nas caçadas. Mas nada igual quando vai destrinchando
relatos sobre as caçadas noturnas e mal-assombradas. Quer dizer, acerca de seus
encontros com os mistérios da noite e os seres desconhecidos e aterrorizantes
da mata.
Histórias ele tem pra contar uma semana
seguida, bastando que vá puxando pela memória. Exímio caçador, conhecedor dos
melindres das caçadas noturnas, ao invés de se vangloriar sempre opta pela
verdade, e daí confessar: É preciso muito respeito com a mata, com a caça e com
a caçada. Não é qualquer um que tem coragem de enfrentar o de repente surgido e
que certamente desse mundo não é. E sendo, ainda assim misterioso demais ao
conhecimento humano.
Bastião confessa não ser ofício fácil o de
caçador, principalmente nas andanças noturnas. Além do destemor de enfrentar a
caatinga, o bicho, o conhecido e o desconhecido, tem que saber lidar com cada
situação repentinamente surgida e obedecer aos desejos dos seres da mata. Deve
saber ler os sinais surgidos e recua quando for preciso. Não adianta seguir em
frente e arriscar se os sinais dizem para não prosseguir. Tem que saber que a
mata é do bicho, é da natureza, e não do homem. E que tem muita coisa
misteriosa presente em cada passo, em cada moita, em cada tufo de mato.
Diz ainda Bastião que até o corpo começa a
sentir quando não se deve seguir em frente. Daí a valia da experiência do
caçador. Aquele que se achar valente demais ou esperto além da conta, este
certamente se dará muito mal no enfrentamento com o desconhecido. Se até o cachorro
teme, acua e recua, por que o homem vai se achar capaz de enfrentar aquilo que
sequer consegue enxergar? Quando o cachorro late diante do nada, há de se ter
certeza que só latiu por que avistou ou pressentiu alguma coisa.
Prossegue Bastião dizendo que não se deve
esquecer o pedaço de fumo de jeito nenhum. Muitas vezes, basta um tiquinho de
fumo para livrar o caçador de muita coisa ruim. Ante o naco de fumo devidamente
deixado numa pedra ou num oco de pau, logo a caipora vai abrir caminho e até
mesmo poderá colocar adiante uma caça boa. Mas se esquecer é melhor não entrar
na caatinga. Vai ser cobrado e o pagamento é coisa difícil de ser refeita. O
cabra pode tomar uma surra de ficar moído e quando levantar não saber sequer
qual caminho seguir. E tudo por um pedaço de fumo esquecido.
Contudo, Bastião logo adentra em relatos mais
pesados, mais atemorizantes. “Certa noite de lua alta, escurecida, numa
veredinha que mal cabia uma pessoa andando com folga, eu tive que me apertar no
beiral pra dar passagem a um desconhecido. Vi um vulto grande, de um homem
alto, vindo em minha direção e tive que me apertar para dar passagem. Passou,
dei boa noite, mas nenhuma resposta. De roupa escura, chegada a preta, não deu
pra avistar o rosto nem nada que dissesse que era humana, apenas o tamanho e o
caminhado ligeiro. Do jeito que passou seguiu em frente e foi sumindo nas sombras
da noite”.
“Uma noite, deitado debaixo de um pé de pau
até chegar a hora boa para caçar, eis que de repente ouvi um disparo em
direção. Um tiro, dois tiros, bem ao lado, como se quisesse me acertar. Mas
nunca apareceu o atirador, somente a bala zunindo. E que, na verdade, não
existia bala alguma, apenas o tiro vindo do desconhecido. Outra feita, um
viajante parou o burro num lajedo para dormir e seguir adiante ao amanhecer,
mas quando colocou a sela para servir como travesseiro sentiu que alguém chegou
bel ao lado e mandou que fosse embora imediatamente dali. O viajante insistiu
em ficar, e a voz voltou novamente e dessa vez raivosa e ameaçadora. Então a
pessoa subiu no burro e desandou com a velocidade que podia”.
“Noutra noite, estando eu e outro caçador, de
repente começamos a ouvir como se um monte de gente em procissão se
aproximasse. A gente ouvia o vozerio, porém não entendia nada do que diziam. E
também sem nunca avistar aquela multidão. Estando em dois, a ideia foi ir
naquela direção e saber do que se tratava. Mas que nada, pois as mesmas vozes
começaram a surgir do outro lado, nas costas da gente. E se a gente se voltasse
novamente, a procissão misteriosa já mudava de posição. E o que a gente fez?
Pegar o caminho de casa e desistir da caçada”.
“Já vi sombras correndo bem ao meu lado.
Também já vi negrinho de menos de metro surgindo do nada, passando ligeiro e
sumindo nos tufos do mato. Já vi bola de fogo acompanhar os meus passos. E de
repente já aparecer do outro lado. Fora outras coisas que presenciei e que só
não conto pela descrença de muitos. Mas muita coisa do outro mundo eu já vi”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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