SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 27 de março de 2019

Palavra Solta - na rua dos ventos



*Rangel Alves da Costa


Ah! Como eu queria andar ao entardecer pela rua dos ventos para ler Manoel Bandeira sentado num velho banco ou numa calçada qualquer. Rua dos ventos que levanta a saia das meninas bonitas, das bundas torneadas, das calcinhas poucas. Rua dos ventos das folhas mortas em tardes tristes e de sentinelas chorosas pelos arredores. Ai que saudade daquela rua, da rua dos ventos. Pelos quintais, os varais se balançando em festa, as roupas querendo voar, e um dia eu vi a calcinha de Maricota sendo levada pelo ar. Que saudade da calcinha da Maricota, cheirando a goiaba doce, a sapoti, a jabuticaba. Eu vi na rua dos ventos o vento em festa e traquinagem. Levantou a batina do padre Zigmund que fez o sacerdote desandar em aflição. O safado estava sem nada por baixo. Rua dos ventos e das angústias de Purezinha com sua vassoura dia e noite sobre a calçada. Varria e o vento trazia pó. Varria e o vento trazia areia. Varria de novo e o vento enchia tudo de folhagem. Purezinha dizia que a coisa que mais odiava no mundo era a ventania da rua dos ventos. Mas amava morar ali. Eu também gostava demais. Um dia, não sei de vento ou de ventania, fechei minha porta e me lancei na estrada. Da curva ao longe, olhei atrás e vi a porta e a janela abertas. Havia sido o vento em açoite, gritando, implorando para que eu não partisse. Hoje tudo dói na saudade. Saudade de Maricota, de Purezinha, da poesia de Bandeira, da Rua dos Ventos. Saudade de tudo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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