*Rangel Alves da Costa
A felicidade é supremo bem buscado
incessantemente por cada ser humano. E no seu rastro, a busca também de seu
contexto maior: a paz, a harmonia, o contentamento, a alegria, a prosperidade.
Fugindo das desventuras, das angústias e das desilusões de cada dia e de cada
instante, o que se deseja ter é o regozijo da alma e o distanciamento das
preocupações. Contudo, por mais que se deseje e se busque, a verdade é que
talvez nunca sejamos felizes. Quer dizer, que jamais estaremos desapegados dos
tristes e inesperados acontecimentos que chegam rolando pela vida como bola de
neve.
Mais difícil do que se imagina é fugir dos
problemas e das preocupações. Por mais que a pessoa procure dar rumos certos à
sua vida e desse modo se distanciar de aperreios, ainda assim não estará livre
da ação do outro, da sociedade, do próprio mundo. Quanto mais a pessoa pensa
que está bem consigo e com o mundo, mais aproximado estará dos açoites que
chegam vorazes de outras paragens. De repente e um acontecimento distante lhe
deixa em rebuliço. Explica-se que seja assim por que não se move apenas pelas
próprias forças, mas principalmente pelas engrenagens externas.
Tudo fica mais claro pela ideia de que os
problemas dos outros são nossos também. Igualmente pela certeza de que uma ação
externa pode causar graves consequências internas. Determinadas decisões
políticas, por exemplo, acabam afetando grande parte da população, e esta muito
distanciada dos centros de poder. Uma decisão de gabinete ou uma “canetada”, ou
mesmo um anúncio de acontecimento futuro, pode causar um transtorno imenso à
população. Decide-se pelo aumento do gás ou da gasolina lá em cima, mas os
efeitos são generalizados. E assim com milhões de exemplos.
Então difícil é ser feliz ante as
preocupações pelo causado pelos outros. Tudo se faz para a manutenção da paz,
da despreocupação, da normalidade, mas nunca possível de ser assim. A
dependência do que é decidido em outro lugar ou a preocupação com as notícias
surgidas, logo afasta a tranquilidade interior. Deita-se numa rede para
descansar, para pensar em coisas boas e positivas e na tentativa de um sono
sossegado, ou até se promete a não se preocupar com o que não diga respeito a
si, mas não tem jeito. Desse modo, a paz mental vai sendo invadida por
situações, fatos e imagens, indesejados e a felicidade igualmente interrompida.
Tudo bem que a pessoa diga que tão
despreocupada está que será capaz de adormecer e sonhar até mesmo tendo uma
pedra como travesseiro. Tudo bem que a pessoa esteja livre de dívidas, com os
seus afazeres e compromissos em dia, que não lhe esteja faltando a comida ou o
remédio. Tudo bem que a pessoa diga que não há de se preocupar com nada pelo
fato de não ter feito nada de errado. Pode dizer e pensar o que quiser, mas
fato é que de repente surge um fato que vai desconsertando a sensação de plena
felicidade e de que tudo está bem. Como numa página do Eclesiastes bíblico, o
que é de uma forma é predestinado a ser de outra, e assim por diante, num ciclo
de acontecimentos que deixa a pessoa à mercê daquilo que não pode controlar.
Sim, está com a conta paga, está com a feira
feita, está com a viagem de férias programada, está contente pela aquisição de
uma casa nova ou de um carro novo. Tudo parece na perfeita paz, tudo envolto em
felicidade. Então chegam os jornais e suas manchetes, as conversas rotineiras
dando conta dos acontecidos, as informações televisivas e seus espantos e
absurdos. A notícia de um amigo enfermo, o falecimento de um ente querido, uma
tragédia acontecida pelos arredores, um entristecimento sem fim por um inesperado
acontecimento na comunidade. E não há como fugir disso. Basta ter sentimentos,
basta ter a normalidade humana, para que tais situações comecem a afetar de uma
forma ou outra, e sempre angustiadamente.
Mesmo que de repente a felicidade chegue em
nome de um prêmio milionário de loteria e a imaginação de que todos os
problemas materiais estarão resolvidas dali em diante, não há como não sentir e
sofrer com as tragédias cotidianas. Não há ser tão insensível que não tenha
agonizado e sofrido com os recentes dramas de Brumadinho, dos meninos do
Flamengo, da escola de Suzano e tantas outras. Ante tais fatos, não há como
fechar os olhos para a realidade e fingir que está apenas feliz. E até se torna
difícil o distanciamento de tais informações por que as mesmas estão presentes
a todo instante na televisão, no rádio, nas redes sociais, nas conversas da
vizinhança, por todo lugar.
Até mesmo a Lava Jato transforma o clima já
carregado em voraz tempestade, afetando não só a paz dos envolvidos como os
debates contraditórios do restante da população. Lula preso, Temer preso, um
monte de gente presa. Aplausos de uma parte, revoltas de outra parte. E pelo
mundo afora os absurdos acontecendo, os genocídios sendo confirmados, as
ditaduras e tiranias esmagando vidas. Não há como deixar de saber. Não há como
deixar de sentir. E é por isso mesmo que talvez nunca sejamos completamente
felizes. As realidades outras não permitem.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Somos energias com campos que se interceptam. Somos assim.
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