*Rangel Alves da Costa
Chuva boa em Poço Redondo. O sertão molhado,
encharcado, enxurrando, pelas beiradas despejando vida. Tanques cheios, açudes
no espelho d’água, barreiros tomados da seiva maior, córregos pedindo passagem,
riachos e riachinhos em cursos de tempo novo. Horizontes nublados, paisagens
gotejantes, plantações sorridentes, a terra cantarolando desde o seu útero.
O que ainda há pouco tempo era dor,
sofrimento e desesperança, eis que agora se transforma em boa-nova, em salmo
sagrado, em dádiva maior a um povo. Cada nuvem formada é como um manto que
chega para dissipar a aflição. Cada nuvem prenhe e se derramando é como se
fazendo nascer um fruto bom da fertilidade.
Coisa linda é ver, é sentir, é conviver com
um sertão assim. Assim chuvoso, assim molhado, assim escorrendo e chamando mais
águas novas. A terra, adormecida sedenta e faminta, de repente abre o seu
ventre para a semeadura. Cada pingo de chuva caindo vai gestando uma imensidão
de esperança. Só sabe diferenciar o molhado do ressequido quem já mugiu a dor
do bicho, quem já berrou a mesmo sofrimento do animal.
Pelos caminhos, estradas e veredas. Em tudo o
verdejar que desponta sorridente e feliz. Pelas porteiras, cancelas ou
passagens, a feição de um recomeçar a boa e sagrada luta. Em cada malhada, em
cada curral ou mato aberto, não mais o desalento abrasado da terra seca, nua,
agonizante. As copas altas já florescem. As enxadas já sulcam a terra para o
grão ser lançado.
E o que dizer daquele homem, daquela mulher,
daquele sertanejo, enfim, passando agora as contas de seu rosário em
agradecimento? As promessas já estão sendo pagas. Os santos enterrados de
cabeça pra baixo já estão sendo revirados e levados aos oratórios da fé e da
esperança. Não, não há que se importar com goteira, com pingueira, com chão
molhado, com nada que caia vindo na chuva. Então que chova, e chova muito!
Que imagem e que semblante: O sertanejo abre
a porta de sua casa e estende o chapéu para que os pingos caiam em profusão. E
depois deita o chapéu sobre a cabeça e se ajoelha ao chão. Qual oração? Todas
do mundo. Que cena mais encantadora: o povo sertanejo, do mato, da roça, dos
afastados da cidade, indo além da frente de casa de braços abertos e elevados
aos céus em meio à chuvarada caindo. O que isso significa? Perguntem ao
sertanejo qual a graça maior depois da saúde e da paz!
A chuva é tudo para o sertão e o sertanejo.
Quanto mais chove mais se deseja mais chuvarada. E não é para ser diferente. E
por isso tanta conta de rosário passada em dedos nus, tanta promessa feita por
corações afligidos, tanto apego às coisas do céu e tanta esperança no Pai
maior. E ele tinha razão quando dizia: “O sofrimento é muito, mas tudo no tempo
de Deus. Deus é pai e não desampara o filho sofrido. O que agora é barro,
amanhã vai ser lama, o que agora é seco, amanhã escorrendo vida por todo lugar”.
Somente quem vive o sertão, do sertão e do
que ele possa oferecer, sabe dizer o tamanho do padecimento quando tudo seca e
tudo some da panela do homem e do bicho. Não tem palma, não tem capim, não tem
ração. Tem apenas o bicho magro, esquelético, sofrendo de sede e de fome. De
repente vai se achegando um gavião, um carcará, um urubu, e tudo cercando a
vaquinha magra em tempo de cair de vez. Mas eis que lá de cima irrompe o
trovão, o relâmpago começa a cortar os céus, as nuvens gordas vão se
aproximando. E a chuvarada começa a cair.
E quando cai a chuvarada a vida se transforma
em festa. Por isso mesmo que Poço Redondo está em festa esses dias. Em cada
pingo caído ecoa a mais bela melodia. Em cada tanque que se recobre de água avista-se
um verdadeiro milagre. Em sonhos renascidos, a cidade se recolhe para não se
encharcar. E deixa que a molhação vá se espalhando pelos campos e mais além.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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