*Rangel Alves da Costa
Joana das Flores, assim era o nome dela. Um
nome, aliás, muito alegre e florido para uma mocinha de cantar tão triste. Triste
ela mesma, e mais triste ainda a melodia ecoando de sua voz bonita.
Acaso cantasse alegrias, felicidades,
conquistas, amores amados e conquistados, até se poderia dizer que das Flores era
uma cantora completa, com sua voz passarinha e seu mavioso compasso de encantar
sereia.
Ecoava seu canto triste quando no quintal,
enquanto lavava roupas. Soltava sua voz tristonha em tristonha canção quando
estava derreada no umbral da janela, avistando o mundo lá fora e com olhos de
dor e ausências. Cantava triste no seu quarto, por todo lugar.
E que letras tristes aquelas daquelas canções
entristecidas:
“Que venha a noite em meu viver
nenhuma luz em mim a clarear
basta-me a dor e do mundo seu sofrer
pois sem amor no coração nada mais há
ave agourenta traga-me seu pio de lamento
no breu da noite os meus olhos são de mar
chorar a lágrima de uma vida de tormento
pois sem amor no coração nada mais há
então que venha a noite com seu luar de fel
veneno em cálice em minha boca a derramar
não há viver aqui na terra nem no céu
pois sem amor no coração nada mais há”.
Após cada canção, após cada melodia espalhada
aos ventos desalentados, Joana das Flores levava o lenço aos olhos e enxugava o
que restava de dor pela canção. E no seu peito, certamente o mesmo canto magoado
e cheio de entristecimento. Por mais que pedisse um canto novo, um canto
alegre, não havia jeito, pois ao longe ecoava coisas assim:
“Punhal de ponta afiada tão amigo do meu
peito
nada mereço além da dor e do sangue derramado
um viver triste e pelo sofrimento assim
desfeito
vai coração e foge do meu peito enjaulado
sobre as brumas dos caminhos espinhentos
meu passo segue todo ferido e lancinante
num grito preso e sem mais força aos
tormentos
túmulo aberto e onde a cruz é meu amante
não chorem por mim depois de minha partida
dê-me as lágrimas que preciso mais chorar
daqui a pouco chegará a ventania em despedida
e no além será meu lar e meu eterno repousar”.
Mas um dia, mais precisamente ao entardecer
de horizonte avermelhado, a mocinha parou o seu melancólico canto assim que
avistou alguém passando ante sua janela. Tão belo rapaz, mas tão formoso rapaz,
que num instante ela reinventou-se numa nova canção, e como nunca havia cantado
antes:
“Quem quiser sofrer dou minha canção
encontrei alguém para um novo cantar
aquele belo rapaz sorriu ao meu coração
e ele com amor é que eu vou me entregar”.
E nunca mais a mocinha cantou tristezas. Mas
continua cantando, só que numa felicidade tal que alguém diria ser a mais
contente do mundo. É o amor e o seu canto transformador.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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