*Rangel Alves da Costa
O que somos perante os loucos? Nada somos
perante os loucos. A ventania esmaga as folhagens pelo instinto natural do
sopro e da transformação. O bicho do mato faz do outro bicho sua presa pelo instinto
da sobrevivência. A morte e a destruição, perante os seres irracionais e os
fenômenos naturais, fazem parte do ciclo da existência. Mas nada explica que o
ser humano, revestido de racionalidade, de repente se transforme em algo muito
além do imaginado para simplesmente espalhar o pânico, o terror, ferir, sangrar
e acabar com vidas. E tudo como se fosse um jogo ou a coisa mais natural do
mundo.
Aquelas cenas ainda estão na mente. E
dificilmente se apagarão da memória. E a mais triste e aterradora recordação
que alguém possa consigo levar. E em pessoas que apenas viram as imagens das
cenas, distantes do ocorrido. E perante as famílias e os amigos? Um assassino
seguindo por outro assassino. Um atirando e o outro terminando a maldade,
golpeando com machadinha as vítimas já indefesas. As câmeras não captaram tudo.
Lá dentro certamente não foi diferente ou mesmo mais animalesco ainda
Quem haverá de esquecer? Sairá da recordação
aquelas imagens de alunos correndo desesperados em busca de salvação? Não há pessoa
normal que não tenha se afligido com tudo aquilo. Impossível de acreditar que a
capacidade de destruição humana tenha chegado ao ponto da banalização da
própria vida, como se estivessem perante qualquer coisa que se vai pisando em
cima esmagando e deixando para trás. Impossível também compreender tamanha
violência surgida de mentes ainda jovens e que talvez não fossem propícias
apenas ao mal. Mas a maldade pareceu ter apagado qualquer outro tipo de
pensamento. Apenas a loucura extrema, a insanidade absoluta.
Sangue pelo chão, sangue por todo lugar, na
escola e fora. A maldade se vitimando e a inocência sendo vitimada. Pessoas que
estavam apenas no caminho e de repente sendo dizimadas pela perversidade.
Aqueles gritos atormentados, desesperados, atônitos, ecoavam a mesma dor das
vítimas já sem vida. Ora, num instante ou noutro cada aluno poderia ser
alcançado. E por pouco muito mais não tombaram perante a algoz ferocidade.
Mortes aconteceram, feridas abertas aconteceram, mas milagres também
aconteceram.
Será que algum ramo científico seria capaz de
explicar como o ser humano se reveste de tamanha bestialidade para atacar e
dizimar, e da forma mais estarrecedora possível, pessoas que nenhum mal lhes
havia feito? Que instinto é este que, comungado em dois, trama o fim da vida
como se planejando estivessem o ataque ao pior dos inimigos? A psicologia
optaria pelo desvio comportamental, a psicanálise diria das disfunções no
desenvolvimento da personalidade, a psiquiatria certamente diria se tratar de
algum transtorno psíquico, e todas procurando uma possível explicação. Contudo,
o que não pode ser explicado pela gravidade da ação, não há como deixar de
avistar a loucura em suas últimas consequências como o motor de tamanha
perversidade.
Loucos além da pedra e além da lança afiada. Pedra
e lança apenas para expressar a armas da loucura, mas de uma insanidade tamanha
que vai muito além da psicopatia: a loucura cega que somente se compraz quando
destrói o que esteja ao redor. Isso não é loucura, verdadeiramente não é. Não é
demência, não é alienação, não é insanidade, verdadeiramente não é. O normal
que se reveste em loucura, premeditando seu ato de insanidade, não passa de
bestialidade humana. O ser despido de qualquer racionalidade e voltado apenas
para o instinto da maldade.
Mas nem um nem outro, apenas a loucura mais
insanamente premeditada que possa existir. A loucura vil, a insanidade
brutalmente covarde, a psicose gestada para o mal, o desajuste odioso e
sangrento. O que somos perante essa loucura que fere brincando, que agride com
normalidade, que sangra ao tanto faz, que mata como a coisa mais simples do
mundo? O que somos perante os desejos bestializados, as violências ocultas, as
brutalidades fingidas? Nada somos perante o mal pelo mal gestado em pessoas.
O que aconteceu em Suzano continua
inexplicável. Somente a loucura extremada, vorazmente alucinada, para nominar
aquela ação ao mesmo tempo fria e brutal, covarde e mortal. Qual definição
psicológica pode ter a atitude de premeditar e agir para friamente matar oito
pessoas, dentre as quais cinco adolescentes e estudantes da mesma escola que
frequentaram? Como se tivessem dito que iam ali matar pessoas e pronto.
Loucura, apenas isso.
E uma loucura entremeada de outras diversas
anomalias: do espírito, da alma, do caráter, da vontade, do desejo de destruir.
Loucura tal que se mostra tão mortal entre nós, mas que vem se mostrando
presente por todo lugar, e muito além-limites. Terrorismos, genocídios,
assassinos monstruosos, perversões que se comprazem com a dor, o sofrimento e a
morte do outro, e sempre de vida inocente. E também atiradores de escola que
rotineiramente estão nos jornais. Jovens premeditando a morte de jovens, agindo
para destruir a vida e o sonho, ali mesmo onde um dia eles sentaram para serem
educados.
Mas de repente o humano se desumaniza de vez
e se torna apenas o bicho além do bicho, apenas um agente do mal pelo mero
desejo de maldade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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