SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 9 de março de 2019

UMA CASINHA ALI ADIANTE



*Rangel Alves da Costa


Já desde mais de três meses que fui presenteado com uma casinha de barro. Após um trabalho escolar, uma turma de alunos achou por bem me oferecer tal preciosidade sertaneja. E com tamanha perfeição que mais parece uma moradia de cipó e barro fincada no mundo sertanejo.
Perfeição na forma e na feitura. Avistar a casinha de barro é estar igualmente avistando uma casa de barro comum, normal, dessas que ainda podem ser avistadas ao longo das estradas, depois das cancelas, no meio do mato. O tamanho reduzido da casinha não implica em nada a compreensão e a presença do todo da outra casa de barro.
O barro é o mesmo, a estaca é a mesma, o pedaço de pau é o mesmo, o visgo endurecido é o mesmo, a textura é a mesma, a porta é a mesma, a janela é a mesma, a feição é a mesma, o jeito de ser na casinha é o mesmo jeito de ser de qualquer casinha de barro. Uma moradia sertaneja no mesmo estilo e feitio da outra morada matuta.
Então, depois que fui presenteado com esta casinha, logo procurei colocá-la em local de destaque, visível, bem aproximada do olhar, ainda que noutra sala do local do local onde escrevinho agora. Daqui, basta levantar o olhar e já estou diante dela em sua inteireza. E por isso mesmo é como se eu estivesse diante de sua porta e janela e desejoso de logo chamar seus moradores.
Moradores? Como existir moradores numa casinha de barro de pouca mais de meio metro de altura? Como existir vidas dentro daquelas paredes apertadas e além daquela porta que sempre está aberta? Como avistar moradores se a intenção de quem a construiu foi de somente representar a casa de barro verdadeira?
Mas tem moradores sim. Não duvido. Tenho certeza. A perfeição da casinha é tamanha que não posso duvidar da existência de moradores, de sertanejos ali viventes. E lá dentro também a mesa de madeira, o tamborete, a rede, a esteira, o fogão de lenha, a panela de barro, o pote, a moringa, a cabeça de alumínio.
Na cozinha o fogão de lenha de brasa apagada depois de preparar o cuscuz, de aprontar o ovo de galinha de capoeira ou de torrar a tripa de porco na banha. O café torrado e batido em pilão, a folha de chá sobre a mesa, o prato de estanho e a xícara já sem cor de tanto uso. Tudo na humildade sertaneja, na simplicidade do povo carente.
Daí que de repente eu me levanto e sigo até lá. E diante da casinha eu me sento para dialogar com aquele mundo, com aquelas vidas que eu sei ali existentes. E dialogo como se de lá dentro chegassem as vozes e as respostas. Falo sobre a seca e a chuva, sobre o bicho, sobre o sol e a lua, sobre tudo.
Não demora muito e para lá voltarei. A essa hora eu imagino que já estejam dormindo, vez que o sertanejo deita em noite ainda nova. Mas tem nada não. Importa mesmo a minha palavra nascida no olhar e no desejo de existência daquele sertanejo e do seu mundo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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