*Rangel Alves da Costa
Já desde mais de três meses que fui
presenteado com uma casinha de barro. Após um trabalho escolar, uma turma de
alunos achou por bem me oferecer tal preciosidade sertaneja. E com tamanha
perfeição que mais parece uma moradia de cipó e barro fincada no mundo
sertanejo.
Perfeição na forma e na feitura. Avistar a
casinha de barro é estar igualmente avistando uma casa de barro comum, normal,
dessas que ainda podem ser avistadas ao longo das estradas, depois das
cancelas, no meio do mato. O tamanho reduzido da casinha não implica em nada a
compreensão e a presença do todo da outra casa de barro.
O barro é o mesmo, a estaca é a mesma, o
pedaço de pau é o mesmo, o visgo endurecido é o mesmo, a textura é a mesma, a
porta é a mesma, a janela é a mesma, a feição é a mesma, o jeito de ser na
casinha é o mesmo jeito de ser de qualquer casinha de barro. Uma moradia
sertaneja no mesmo estilo e feitio da outra morada matuta.
Então, depois que fui presenteado com esta casinha,
logo procurei colocá-la em local de destaque, visível, bem aproximada do olhar,
ainda que noutra sala do local do local onde escrevinho agora. Daqui, basta
levantar o olhar e já estou diante dela em sua inteireza. E por isso mesmo é
como se eu estivesse diante de sua porta e janela e desejoso de logo chamar
seus moradores.
Moradores? Como existir moradores numa
casinha de barro de pouca mais de meio metro de altura? Como existir vidas
dentro daquelas paredes apertadas e além daquela porta que sempre está aberta?
Como avistar moradores se a intenção de quem a construiu foi de somente
representar a casa de barro verdadeira?
Mas tem moradores sim. Não duvido. Tenho
certeza. A perfeição da casinha é tamanha que não posso duvidar da existência
de moradores, de sertanejos ali viventes. E lá dentro também a mesa de madeira,
o tamborete, a rede, a esteira, o fogão de lenha, a panela de barro, o pote, a
moringa, a cabeça de alumínio.
Na cozinha o fogão de lenha de brasa apagada
depois de preparar o cuscuz, de aprontar o ovo de galinha de capoeira ou de
torrar a tripa de porco na banha. O café torrado e batido em pilão, a folha de
chá sobre a mesa, o prato de estanho e a xícara já sem cor de tanto uso. Tudo
na humildade sertaneja, na simplicidade do povo carente.
Daí que de repente eu me levanto e sigo até
lá. E diante da casinha eu me sento para dialogar com aquele mundo, com aquelas
vidas que eu sei ali existentes. E dialogo como se de lá dentro chegassem as
vozes e as respostas. Falo sobre a seca e a chuva, sobre o bicho, sobre o sol e
a lua, sobre tudo.
Não demora muito e para lá voltarei. A essa
hora eu imagino que já estejam dormindo, vez que o sertanejo deita em noite
ainda nova. Mas tem nada não. Importa mesmo a minha palavra nascida no olhar e
no desejo de existência daquele sertanejo e do seu mundo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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