*Rangel Alves da Costa
O sertão é
também um tanto atravessado. Certamente que Euclides da Cunha não se referiu a
todo filho da terra quando disse que o sertanejo é antes de tudo um forte.
Ora, tem
cabra frouxo que só a moléstia, tem gente preguiçosa que só a gota, tem gente
que não tá nem aí pro cantar do galo.
O sol bate
na cumeeira, desce por riba da cama, espalha seu fogo por todo lugar, e o cabra
não tá nem aí. Vira-se pro outro lado e começa a roncar novamente.
Acorda,
levanta, fi da peste preguiçoso. Deixa de moleza, seu fi da preguiça. Levanta,
levanta que já tá na hora de jogar milho pros pintos.
Enquanto
Zequinha nem espera o dia amanhecer para começar os afazeres do dia, um e outro
roncam até perto do meio-dia. E não é de espantar se passar disso.
Zequinha
abre as portas do fundo com tudo ainda escurecido. Até o galo reclama: “Esse
fiu da peste não espera nem eu levantar pra cantar e vem logo acordando o
poleiro todo”.
Mas
Zequinha é assim mesmo, tem tino de sertanejo. Levanta na madrugada, acende o
fogão de lenha, prepara um café, chama pra si o punhado de farinha seca com um
naco de toucinho, e só depois vai abrir a porta da frente.
O dia
ainda não vai ser de chuva, entristece um pouco, mas nada a fazer. Remexe num
canto e noutro, junta seus instrumentos de trabalho do dia, depois segue em
direção à malhada.
Não há
muito no curral. Mas tem que deixar o leite pra derramar sobre o cuscuz da
meninada. Antes mesmo de retornar do curral e sua Bastiana já está na cozinha.
Todo dia é
assim. Levanta logo cedinho, faz suas preces ao pé do oratório, em seguida
começa a fazer da cozinha seu lar e do quintal sua sala de visita.
Lava,
enxagua, estende no varal. Vai catar feixe de lenha, faz arrumação de graveto,
molha o pé de mastruz e de manjericão, joga na malhada um punhado de milho.
Logo as
galinhas acorrem esfomeadas. Pouco, mas assim mesmo. Mas enquanto isso ainda
muita gente sequer pensa em levantar.
Uma
preguiça que engorda, afrouxa e vai secando o prato e o bolso. E depois vai
reclamar que a vida tá ruim, que não consegue somar nem vintém.
Nem chega
a metade do dia e Zequinha e Bastiana já fizeram mais que uma multidão.
Incansáveis, cientes de que somente através do trabalho o pão vai chegar à
mesa, então fazem e fazem mais.
Mesmo na
dor e no sofrimento, estes abraçam seus dias como se estivessem construindo - a
cada dia - o melhor da vida.
E sob o
sol, sob o chão quente e esturricado por falta de chuva, o melhor da vida é
poder acordar e deitar com a certeza de que o trabalho do dia foi feita e que a
barriga dos meninos não está roncando de fome.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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