*Rangel Alves da Costa
Dona
Crezilda parecia um rio sem fim. E chorava e chorava mais. Certa vez perguntei
por que chorava tanto e ela me respondeu olhando ao alto, para os céus.
Compreendi o motivo das lágrimas, das saudades, do adeus de um dia.
A vaca
magra vivia de cara como se estivesse em eterna molhação. Dos olhos descendo ao
focinho, escorrendo pelo corpo até as patas, aquele terrível aguaceiro. Quis
perguntar o motivo, mas vaca não fala. A resposta estava adiante, no tanque
vazio, no pasto seco, nas árvores mortas e sem sombreado.
Dona Maria
do Doce chegava a sacolejar de tanto chororô. Toda vez que eu passava defronte
à sua casa ela estava assim, num turbilhão de soluços. Mas o que foi Dona
Maria, me diga, o que foi? Nada, era o que ela sempre respondia. Mas um dia
entrei de porta adentro, fui até a cozinha e logo vi toda a motivação do choro.
Tudo vazio, panela vazia, nem um pedaço de pão.
Seu Tonico
parecia um mar se derramando pelas faces enrugadas. E lacrimejava e lacrimejava
mais. Perguntei-lhe o motivo de tanta tristeza e então ele me pediu para ouvir
sons que logo surgiriam nas pastagens adiante. Então ouvi berros, relinchos,
clamores de animais sedentos e famintos. Logo compreendi a razão de aquele
velho sertanejo lacrimejar as ausências das chuvas.
Zezinho
não só chorava como esperneava sem fim. Menino traquina, ao invés de correr e
brincar na malhada, ele desandava numa nuvem aberta nos olhos. Que tristeza eu
sentia vendo um menino chorando assim. Então lhe perguntei por que tanto sofrer
e ele apontou-me o canto da cerca. Já não podia brincar por que suas pontas de
vaca haviam sumido, já não era fazendeiro nem o rei do laço.
A viúva
Geroma parecia afundada. Nunca vi tanta lágrima despejada por uma só mulher.
Mesmo imaginando o motivo de tanto luto e tanta melancolia, e tudo encharcado
nas faces emagrecidas, indaguei-lhe o porquê de continuar chorando tanto, mesmo
depois de tanto tempo da partida do seu. Ela respondeu que o esposo continuava
tão presente, e tão presente demais em seu coração, que sua dor era não poder
abraçá-lo e senti-lo.
O Padre
Filipinho quase não conseguia mais celebrar missa. Na sacristia e o homem
chorando, no confessionário e o homem chorando, por todo lugar da igreja e o
vigário era avistado chorando. Cheguei lá disposto a desvendar os motivos
daquele tanto lacrimejar e fui logo entrando com um bom vinho à mão. E ele
sorriu numa largueza danada. Era falta de vinho.
Bastiana
chorava e chorava pela estrada. Chorava quando passava com trouxa de roupa na
cabeça, chorava quando ia à roça buscar feijão pra debulhar, chorava quando
passava com o pote na cabeça em direção ao tanque. Um dia perguntei por que
tanto choro. Então ela me disse logo: “Meu fio, já faz mais de mês que o meu
radinho está sem pilha. E fico tão triste sem ouvir uma música”.
E eu
seguia por aí, também entristecido perante tantas lágrimas e sofrimentos. E
chorando também. De vez em quando eu mesmo me perguntava o motivo de tanto
chorar. Sei lá, sei lá, fingia. Mas sabia. A falta de uma porta aberta e dentro
dela um abraço.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário