*Rangel Alves da Costa
Confins são lonjuras, são fins de mundo, são
distâncias, são escondidos de além. Confins são lugares extremos, são
fronteiras de existência, são localidades distantes e desconhecidas ou pouco
conhecidas. Confins são terras, lugares ou povoações, pouco visitadas e, por
isso mesmo, permanecendo com feições eternizadas no antigo e no antigamente. Os
confins dos sertões seriam exatamente aqueles pouco conhecidos sertões.
Nos confins dos sertões, o tempo parece
vagarosamente passar, ou simplesmente nunca passa. O novo é tão antigo que nada
parece mudar. Os costumes passados de geração a geração continuam como se
naquela primeira gestação. O mundo lá fora pouco importa aos confins, eis que
tudo vive e se basta no seu próprio interior. As notícias que chegam dizem apenas
do próprio povo, dali de perto ou de mais adiante. O artista é o homem da
terra, a novela é a página da vida, o novo é o que está feito naquele momento,
apenas.
A mesma poeira parece despontar todos os dias
da mesma curva da estrada. As folhas secas que esvoaçam certamente que são as
mesmas folhas secas de outros outonos. Nada muda, nada parece mudar. A ventania
possui um sopro conhecido demais. O vento, e sempre o mesmo vento, só falta
mesmo dar bom dia e boa tarde aos moradores. Conhece as janelas e portas,
conhece ruas e estradas, sempre se nega a soprar demais durante a batida de
feijão ou do peneiramento do café batido em pilão.
Antes da chegada, nenhum ronco de veículo.
Nunca um carro apontou na última curva da estrada e antes de chegar perante a
igrejinha de barro batido. Motocicleta por ali seria vista como uma estranheza
do mundo. Quanto o poeirão levanta na estrada, logo já sabem da chegada ou da
partida de animais. Para ir de canto a outro somente no lombo do cavalo, do
jegue ou do burro. Também há carro-de-boi e pé afoito para seguir caminho. Um
povo que nunca cansa. Desde o madrugar ainda escurecido que os ofícios simples
começam a ser exercidos, sempre envolvendo a lida com a terra.
Pelo ar, os cheiros próprios dos confins
tomam conta de tudo e se espalham pelos arredores e mais adiante. Cheiro de
cuscuz ralado no fogão de lenha, cheiro de carne assada por cima das brasas,
cheiro de ovos passados na banha de porco, cheiro de café torrado e batido em
pilão borbulhando na chaleira. Que cheiro estranho e tão corriqueiro do rapé
passando de nariz a nariz, do fumo no cigarro de palha, da casca de pau derramada
no copo e virada num gole só. Cheiro de barrufo de terra na chegada da chuva.
Cheiro de estrume de curral e do couro da sela e do gibão.
Vida mansa, leve, andante sem pressa. Um
tamborete na calçada, um tronco de pau na malhada, uma rede espalhada na sala
pro menino deitar. Amigos proseiam debaixo dum pé de pau enquanto uma mocinha
vai passando com feixe de lenha na cabeça. Senhoras levam sacos de pano para
lavar no riachinho e amigas conversam enquanto varrem as calçadas de areia. Não
há praça, não há banco de praça, não há calçamento algum. Tudo um descampado
só, entremeado de moradias rústicas, rotas, na singeleza do mundo. Casebres de
barro e cipó, telhados de palhas, quintais que se confundem com a mataria.
Seu Totonho diz a Bastião: “Pois é cumpade,
ansim mermo a vida. Mió mermo é que o mundo de lá fora num venha aqui pa dento.
Num sei nem o que acuntece lá fora e nem quero saber. Como do meu feijão, do
meu mio, da minha batata, da minha melancia. Munta caça ainda tem pur aqui,
preá do bom e mocó tomem. Deixe os bicho de cria se criar, a num ser que seja
um bodinho, uma cabra, um porco. Entonce tem de ser a mistura do feijão com
farinha. Adespois nóis num tem essa peorcupação das cidade grande. Nóis frome
inté de porta aberta, na fresca boa e sem ninguém atrapaiá o cochilo. Riqueza é
essa, a da paz e do sossego. Nunca vi ninguém que arribou daqui pa despois
vortá e dizer que lá fora é mió. Se aqui é mió, entonce que a gente viva aqui.
Num é mermo cumpade?”.
Doença pouca, remédio muito. E tudo do
quintal mesmo, do mato, da sabedoria matuta. Fartura de boldo, hortelã, mastruz
e muito mais. Também as velhas rezadeiras e benzedeiras que vão afastando os
malefícios do corpo e limpando os espíritos para as lidas do dia a dia. Bastam
três raminhos de mato e muita coisa ruim é afastada do corpo. As mãos velhas e
hábeis vão passando os ramos pela cabeça e corpo, sussurrando velhas orações e
rezas fortes, e depois basta jogar fora o mato já totalmente seco. Os ramos
secam e esturricam por que chamaram para si as mazelas existentes na pessoa,
daí o definhamento repassado.
Assim a vivência nos confins dos sertões. E
nada de ficção. Ainda existem muitas comunidades e povoações vivendo assim,
como se traçando seus destinos e sinas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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