*Rangel Alves da Costa
Não sei
quem escondeu minha folha de papel e meu lápis. Gosto da máquina não. Gostava
de sentir cada letra sendo rabiscada pela mão. Também sumiu meu cavalo de pau,
meu boizinho de barro, meu carro-pipa de lata de óleo. Eu tinha uma peteca
baleadeira e um jogador de botão. Eu tinha dinheiro de papel de cigarro e
também uma fazenda de ponta de vaca. Como dizia Drummond, hoje só tenho um
retrato na parede. E como dói. Dói não avistar mais varal no quintal. Dói não
ter bolo nem cafuné de minha avó. Meu avô me dava nica e eu ficava contente. Um
dia, ainda criança - imaginem -, eu me apaixonei por uma moça do circo. Tinha
as pernas grossas, creio que até gordas demais para uma rumbeira. Mas me
apaixonei e só vivia por lá. Até que ela me deu um frasquinho de perfume, uma
coisita pequenininha, mas tão cheiroso que fiquei encantado. Naquela noite
dormi todo perfumado. Mas sonhei sendo o atirador de facas. E sem querer matei
meu amor.
Eu gostava
muito de passar pelos quintais por diversos motivos. Logicamente que eu nem
pensava duas vezes em pular uma cerca para afanar fruta madura, já caída no
chão. Evitava aqueles quintais com porta do fundo sempre aberta e com cachorro
sempre em prontidão. Mas eu gostava mesmo - ainda mais que a fruta docinha
caída - era de avistar os varais e suas roupas e panos estendidos. Não sei bem
por que, mas eu sempre gostei de estar diante dos varais e imaginando mil
coisas sobre aqueles braços estendidos, aquelas saias querendo voar, aquelas
vestimentas secando ao sol e ao vento. Eu também pensava que a gente bem que
podia ficar estendido em varal depois de chorar ou mesmo enquanto a lágrima
escorria. Do mesmo jeito da roupa, os olhos também podiam secar e a alegria
voltar. Contudo, fato interessante diz respeito às calcinhas avistadas no
varal. Sim, havia um quintal preferido para avistar calcinhas, pois todas de
uma só dona. E parecia que ela só tinha calcinha vermelha e rendada. Eu me
apaixonava com aquela visão. Até que um dia me senti no direito de tirar uma
miudinha do varal para colocar bem diante o meu olhar. Depois beijei a
calcinha. Beijei duas vezes, mais e mais. Aí foi quando a porta do quintal foi
aberta e a dona da calcinha apareceu. Sabe o que ela fez? Sorriu, pediu a
calcinha, depois tirou a que estava usando - também vermelha - e me deu. Não só
deu como pediu para que eu a cheirasse e beijasse. E depois. Deixe pra lá...
Por falar
em calcinha, na infância eu tinha um grande amigo que outra coisa não fazia
senão sair pelas calçadas para avistar calcinhas das mocinhas que estivessem
sentadas. Levando sempre uma bola de gude, assim que avistava uma logo se
abaixava como se fosse jogar a bola sobre a terra. Um dia ele me chamou pra acompanhá-lo
nas visões do paraíso e eu aceitei. Visões do paraíso por que, segundo ele,
avistar uma calcinha entre as coxas de uma donzela era a coisa mais bela que
podia existir. Então o acompanhei. Mais adiante, logo ele se abaixou para
insinuar o arremesso da bola de gude. Abaixou-se, olhou, olhou e continuou
olhando. Estranhei tudo aquilo. Cheguei junto e perguntei se já tinha visto e
por que se demorava tanto. Então ele me disse: olhe. Abaixei para o arremesso e
virei o olhar para o entrepernas. Olhei, olhei, e não vi calcinha alguma. A mocinha
estava nua na parte de baixo. E foi por isso que nunca brincamos tanto de bola
de gude como naquele dia. Dois meninotes e suas visões do paraíso. E que
paraíso perante aqueles olhares de infantis malícias.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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