SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ARIDEZ (Crônica)

ARIDEZ

Rangel Alves da Costa*


Até que a estação está chuvosa, orvalha na noite, o vento sopra seu sopro apressado, a lua se derrama na escuridão e até o sol anda meio sonso, com poucas palavras, querendo se esconder um tantinho aqui, um tiquinho acolá. Até que a vida dá para ser vivida, mesmo com a aridez que penetra no espírito feito espinho de quipá.
Juro por Deus que eu pensava que aridez era somente coisa de sertão, de sol que se espalha pelas paisagens e vai deixando tudo triste, penoso, murchando e faminto. Pensava que existia somente na terra que secava pela falta da água milagrosa, no verdejante cenário que se tornava acinzentado e depois ia tudo virando pó e morrendo.
Eu juro que pensava que aridez era sinônimo de terra rachada, esturricada, inadequada para chamar vida para o seu leito de pedra e dor. Tudo isso eu pensava, mas hoje sei que a aridez que comecei a conhecer possui outras feições e outras causas, presentes sempre na desertificação da esperança, na secura da alma e na estiagem espiritual.
Tal qual a outra, a minha aridez é também castigante e causticante, é coisa de clima adverso mesmo. Climatologia num ser presentemente ausente. E talvez seja no clima que haja uma possível explicação para essa aridez molhada no canto e face.
Ora, vejam o que dizem os homens do tempo: o clima árido ou desértico é caracterizado pela escassez de chuvas, pelo sol escaldante e pelas paisagens mortas, com massa de ar quente durante o dia e frio ao anoitecer, com terra disforme e pedregulhos espalhados ao longo de suas extensões e marcados pela vegetação rasteira, arbustos espinhosos e plantas cactáceas.
Ora, mas esse não é o clima, sou eu. E sou eu porque sou desértico, com escassez de tempo bom para nutrir a vida e proporcionar esperança de qualquer semente, vagando pelos sóis escaldantes dos dias infindos e afogado nas lágrimas derramadas no rio da noite. Sou eu porque sou terra disforme, árida, pobre, cortante, habitada por espinhos cortantes e com o mesmo amanhã de angústia e sofrimento.
Não me afastei um só ponto do que sou, buscando assim que a voragem da esperança chegue na próxima ventania e retome se lugar em. Tenho aos meus olhos os meus salmos, os meus provérbios, as minhas lições de sabedoria, todos os cânticos dos cânticos, até falo por Eclesiastes e caminho pelos mesmos caminhos dos evangelistas. Ainda assim me sinto árido, impotente para sorrir qualquer lábio de satisfação.
A igreja do meu coração está mais cheia de fé do que nunca, velas acendem e os anjos chegam para brincar comigo e dizer que logo a alegria virá, pois tudo é passageiro. Mas nada acontece de novo debaixo do sol, nem a mesma água do rio corre mais, nem o vento norte desponta do lado norte, nem os dias são mais divididos em noites e dias. Tudo é noite, açoite, grito, aflito, eco de dor, desamor...
Queria ao menos ouvir tua voz agora. Vejo que o horizonte está mais escurecido e talvez chova ao entardecer. Se for tempestade melhor ainda, pois chegará com a força de levar pra longe toda essa aridez espinhenta que me faz vegetar na minha vegetação cinzenta. Queria conversar contigo e dizer que se a chuva não cair será difícil chegar ao nosso encontro marcado para qualquer dia na vida.
Posso partir antes de esse dia chegar. Porque o horizonte lá fora está escurecido, mas ontem também foi assim, e antes de ontem e sempre. E se a chuva não chegar não tenho mais lágrima para chover, não tenho mais lágrima, não tenho mais...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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