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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

COISAS QUE MORREM ANTES NAS PESSOAS (Crônica)

COISAS QUE MORREM ANTES NAS PESSOAS

Rangel Alves da Costa*


Quando as pessoas morrem, certamente que elas não se findam com a inteireza de suas existências nem com aquilo que internamente possuíam ao longo da vida. Em muitas destas, a morte é levar apenas o que restava no corpo físico, pois muitas das qualidades que as fizeram conhecidas já haviam morrido anteriormente. Em certos casos, as coisas vão morrendo nas pessoas ainda quando elas são bem jovens.
Quero dizer que podem existir várias mortes numa pessoa até que um dia chegue o instante em que oficialmente há o falecimento e toda a ritualização que a cerca. Quero dizer ainda que no instante final, diferentemente da crença de que com ela morreram, por exemplo, os sonhos e as perspectivas, não restava mais nada senão o corpo despido de tudo e esperando somente a morte chegar.
Mas por que digo isso, vez que as virtudes, a honradez, os aspectos comportamentais e as atitudes são as marcas indeléveis na pessoa e quando ela morre logo se diz, por exemplo, que com ela morre também o maior exemplo de seriedade?
Ora, o faço simplesmente para afirmar que naquele onde se presume uma grandiosidade de sentimentos e características, pode haver simplesmente o vazio; pode não existir absolutamente nada. Isso mesmo, a pessoa morreu tão vazia que somente a morte para dar significado à própria morte.
É que muitas coisas existem que morrem muito antes que o restante da pessoa morra. Pode ser que a fé conhecida no seio familiar tenha morrido diante do confronto com a realidade da igreja; o sonho de ser jornalista tenha morrido porque seus pais impuseram que se tornasse num medíocre engenheiro; a vontade de seguir o ofício religioso tenha morrido quando foi molestado sexualmente dentro do seminário; o sonho de riqueza morreu quando foi vencido pelo vício da jogatina.
As coisas morrem primeiro do que os seus donos por uma série de outros motivos. O amor único e exclusivo morreu quando a grande paixão de sua vida preferiu casar com um traficante; morreu também a esperança de amar outra pessoa. A esperança de viver em mundo de paz, mais humano, com pessoas bem mais cordiais e respeitosas, morreu quando passou a perceber que o vizinho não dá um bom dia e nem avisa se avistar um início de incêndio na sua casa.
São pequenas e grandes coisas que vão sumindo nas pessoas, morrendo aos poucos, que de repente estas não possuem mais fé, não acreditam mais em nada, se tornam verdadeiramente descrentes que exista político honesto, que através do voto vai haver melhoria, que o poder judiciário é verdadeiramente imparcial, que as leis possuem leituras diferentes para ricos e para pobre, que todos têm oportunidades iguais e igualmente são respeitadas.
Chega um dia que de tanto o mundo provar o contrário do que acreditava, sonhava ou pretendia, que a pessoa vai ficando vazia. Ora, se morrem os sonhos, morrem as crenças, morrem as esperanças, consequentemente morrerão também as virtudes. E estas morrem porque não subsistem virtudes numa pessoa que passa a ver o mundo sem significado algum. Por que ser virtuoso diante de ladrões, desonestos, corruptos?
Muitas vezes a pessoa morre até sem o nome. Se durante a vida perdeu a honra e a dignidade, certamente dirão que morreu um safado, um larápio, um político, um ladrão. Adjetivado porque o que nada significa ao menos vai ser lembrado pelo que não presta.
Assim, quando o corpo dá o último suspiro está dando adeus a um ser absolutamente vazio. Muitos não deveriam nem ter mais corpo para morrer.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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