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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O QUE OUVI UM DIA (Crônica)

O QUE OUVI UM DIA

Rangel Alves da Costa*


Minha avó me dizia, meu avô me contou, meu pai repetiu, minha mãe confirmou. E assim fui ouvindo tantas lições pela vida que somente erro porque sou humano, como eles erraram por não serem eternos.
Menino, a noite é dos bichos e dos santos. Se você não quiser que o bicho venha lhe pegar, então tem de rezar para o santo lhe proteger. E assim foi nascendo o medo e a devoção, sentindo a necessidade de rezar sempre para a proteção contra os bichos que aparecem também pelo dia.
Meu neto, melancia com leite não faz mal a ninguém, o que faz mal é pegar escondido a melancia e o leite dos outros. Do mesmo modo, se avistar uma fruta madura diga ao dono do pé que ela vai cair, e se ele sentir que você está com vontade de mordê-la certamente vai dar permissão para você sentar à sombra da goiabeira ou do cajueiro e fazer a festa da barriga.
Meu filho, o respeito que se deve ter aos mais velhos e a necessidade de lhes dar a benção não têm nenhuma ligação nem com a idade nem com parentesco, mas tão-somente porque devemos enxergar a sabedoria e o conhecimento da vida com a máxima devoção.
E veja que quem abençoa não é a pessoa, pois ela sempre há de dizer que "Deus lhe abençoe". Então, nos mais velhos está um pouco da autoridade de Deus, que lhe é delegada para a benção dos mais jovens.
Venha cá, menino, sente aqui e ouça uma coisa de quem tem muito mais partida e chegada do que você. Quando você ouvir dizer que existem pessoas ruins, pessoas invejosas e que só querem o pior para os outros, acredite.
E acredite porque estas estão em todo lugar, em qualquer canto, onde a gente menos espera. Infelizmente é difícil a gente conhecer estas pessoas pela aparência, mas aquelas que são boas e de bom coração a gente sente de pertinho, pelo olhar e pela satisfação espiritual que nos dá a sua proximidade.
Ouça uma coisa meu filho, nunca julgue os outros pela aparência. Quem vê cara não vê coração; o brilho pode ficar empoeirado a qualquer instante; o sorriso não significa alegria, nem um rosto solene significa tristeza; não existem pratos em muitas mesas grandes.
Ás vezes o silêncio do outro está nos chamando e precisa conversar, desabafar com a gente; a frente da casa não mostra a verdade da moradia. Tudo isso é verdade meu filho. Quem dera Deus nos permitir o dom de enxergar o coração antes da pessoa!
O meu avô paterno era silencioso e triste, mas era um doce de pessoa quando abria a boca para falar, por isso mesmo dizia que a palavra do homem devia ser como uma refeição necessária. Somente para alimentar.
Ninguém deveria estar abrindo a boca a qualquer instante para dizer futilidades ou inutilidades, coisas irrelevantes e que muitas vezes só servem para prejudicar, pois carregadas de mentiras e aleivosias. Se vista como verdadeira fome, a palavra tem instante certo para sentar à mesa e se expressar na exata medida da boca do falante.
Mais tarde, meu neto, quando você crescer e encontrar uma mocinha de sua idade e der vontade de namorar, nunca veja a menina como qualquer coisa que se usa e joga fora. É preciso lembrar, e nunca esqueça disso, que toda mulher, por mais fácil que possa parecer ou mesmo que as más línguas digam que ela é da vida, não é apenas a mulher em si com sua fama.
Além dela, que de qualquer modo deverá ser merecedora de todo o respeito, há também uma família, um sobrenome familiar. E há também você, zelando o seu nome todas as vezes que respeita o outro e o seu nome.
Tudo isso ouvi, e ouvi muito mais. Muitas coisas ouvi que não direi aqui para não correr o risco de ser chamado de maluco. Imagine que minha avó me disse um dia que o amor existirá sempre naqueles que, a qualquer tempo, souberem pedir e perdoar.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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