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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 11 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 11

Rangel Alves da Costa*


Novo espelho, novo espelho, que maluquice é essa? De onde essa árvore cabocla foi tirar a ideia desse espelho, o que ela sabe sobre os meus espelhos?
Árvore falante já é maluquice, e imaginar que ela já estava sabendo de segredos seus, aí já era maluquice demais.
Caminhou cuidadosamente pelo caminho de casa, com a maior precaução do mundo para não ser vista por seu pai. Melhor não ser vista por ninguém.
Se sua mãe soubesse que ela havia cumprido a promessa feita e saído para passear naquela manhã, certamente que ficaria sem acreditar, principalmente pelo perigo que tal atitude poderia provocar.
Mas se além disso ela soubesse que sua filha falou com planta, bicho, vento, passarinho fofoqueiro e uma árvore misteriosa, aí não tinha dúvida que ela poderia até desmaiar.
Foi se achegando devagarzinho, pé ante pé, até o local da janela. Porém quando já estava defronte, prestes a se preparar para subir e entrar, percebeu que ela estava fechada.
Não havia deixado aquela janela fechada. Lembrava muito bem que nem encostada ela estava, mas totalmente aberta. Ela estando escancarada ninguém pensaria que ela havia saído.
Ela estando agora fechada era diferente, pois alguém tinha estado ali. E se entrou no quarto percebeu que ela não estava lá. E agora?
Sua mãe fechou a janela. Ouviu a mesma plantinha que quase pisava da outra vez dizer.
Olhou assustada para a plantinha e percebeu que, diferentemente da cor acinzentada de instantes atrás, agora ela já estava com uma cor diferente, como se estivesse retomando completamente a vida.
Depois quero falar com você, mas agora preciso mesmo é entrar na casa sem ninguém perceber. Com a janela fechada não sei o que fazer.
E a plantinha pediu que ela se abaixasse um pouquinho que iria dizer o que fazer para entrar na casa sem ser percebida.
Como se fosse o maior segredo do mundo, disse no ouvido da menina que bastava que ela desse três toques bem leves na janela, pedisse baixinho pra ela acordar e depois fosse empurrando devagarzinho.
Dito e feito. Num minuto percebeu que a janela já podia ser aberta e quando empurrou-a de vez teve uma inesperada surpresa.
Seu pai estava em pé na entrada do quarto, e pelo visto somente esperando que ela chegasse.
No mesmo instante Maria começou a temer o pior. Tremeu de corpo inteiro, ficou da cor de tomate, o cabelo talvez tivesse sumido da cabeça. Ela mesma queria deixar de existir.
Filha minha não pula janela. Entra e sai pela porta da frente. Nem pense em pular novamente a janela. Se quiser entrar nesta casa tem que ser pela porta da frente. E vá logo que estou esperando. Falou o homem estático.
Maria olhou nos olhos do pai. Viu a mesma violência de antes, sentiu o mesmo ódio e o desejo de investir furiosamente contra ela novamente.
Maria olhou pelo restante do corpo e o via estremecer de raiva, deixando cair na mão direito um arreio de couro cru, daqueles que ele usava para bater em bicho brabo e que não queria ser domado.
Cada lanhada com aquele arreio era certeza de ficar filete de sangue.
Maria disse apenas que já ia entrar pela porta. Assim que saía do lugar lhe veio a estranha ideia de dar mais três leves toques na janela.
Assim ela fez. Deu três leves toques e a janela fechou imediatamente. E então Maria saiu em disparada pelo meio do mundo.
Maria corria feito vento. Maria era veloz feito ventania...


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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