SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

SENHORA DONA DA CASA (Crônica)

SENHORA DONA DA CASA

Rangel Alves da Costa*


Oi de dentro, oi de fora, me atenda sem demora, que venho de muito longe pra dar notícia e ir embora!
Senhora dona da casa, se achegue na soleira, por debaixo da cumeeira, que venho na graça divina, sou de paz, sou gente fina, e isso eu posso jurar de pé junto no altar.
Não se avexe, sou de paz, sou bondoso e muito mais, respeito a casa dos outros, respeito da porta pra dentro e respeito da porta pra fora, e se não tiver quem me atenda pego o alforje e vou embora.
Digo logo o seguinte, que não sou nenhum pedinte, não venho aborrecer quem não tem, pois conheço essa dor também e só o que me convém é a reverência e o amém.
Ouça quem tá dentro de casa, o clamor que tá de fora, que só veio de passagem e vai logo seguir viagem, que só quer um instatinho, da água beber tiquinho, prosear um bocadinho e depois pegar caminho.
Oi quem aí dentro se esconde, quer falar e não responde, se oculta atrás da cortina, mas tem cabelo de menina, parecendo amedrontada com o estranho de passada, que nunca fez nem faz medo, mas traz na boca um segredo que precisa lhe contar.
Senhora menina moça, senhora que esta aí, venha por favor aqui, venha me dar permissão para adentrar nesse chão, para pegar na sua mão, que juro de coração não se arrependerá nunca não.
Dei três toques na madeira, bati palma na soleira, chamei baixo e chamei alto, olhei de lado e na beira, vi um vulto e tá aí, por favor venha aqui, que nem entro e vou sair.
Conheço casa fechada, conheço abandonada, conheço toda calada e conheço a desprezada, mas essa não é assim, pois tem gente aí sim, tem gente me escutando, até ouço caminhando, pois se apresse em chegar, pois não vou mais esperar para a notícia vos dar.
Vou só começar minha prosa, dizer do jardim a rosa, um aperitivo pra escutar, que até possa interessar e ao invés de se esconder você aparecer e pelo resto implorar.
Ouça o que vou dizer, mas ouça com muita atenção, lembra de Zezinho, Toinho, Pedrinho ou Luisinho, um nome que tenha inho no finalzinho, aquele que vivia aqui e um dia achou de ir, pois o homem sumiu não, tá é perto desse chão, e tinha mais a dizer, mas não quer aparecer, então inté mais se ver.
Oi de fora, oi de fora, por Deus, por Nossa Senhora, fique aí não vá embora, que chego já sem demora, é que a casa não tem nada, vou ver se arrumo sentada que é pra vosmicê descansar, pra depois se confortar, beber água e folgar e adespois me dizer tudo que vai tirar meu sofrer, toda essa minha aflição, que dói e corta o coração desde que Zezinho saiu do sertão.
Bendito louvado seja, louvada a Virgem Maria, Deus é pai e nossa guia, abra essa porta Maria, chame Tiquinho e Zabé, chame a vizinhança, diga que com muita tardança, mas sem faltar a esperança, o dono da casa voltou, o dono da casa chegou pra família abraçar, pra não mais abandonar e nem sair do lugar.
Mas é você seu ingrato, que só deixou um retrato que já tá amarelado, saudade por todo lado e o povo desesperado, pois entre que a casa é sua e hoje embaixo da lua vai ter sanfona e cantiga, vai ter uma moda antiga que eu me lembro que é assim:
"O amor chegou, chegou, chegou, não se faz mais nada senão amar. Hoje não lavo roupa lá na lagoa, hoje não mato a erva daninha, hoje não cozinho lá na cozinha, hoje não tem prato lá na mesinha, hoje não tem frio só tem calor, porque o amor chegou. O amor chegou, chegou, chegou, não se faz mais nada senão amar...".
Oi de casa, oi de fora, favor dizer a dona da casa que a felicidade ainda existe. E bendito seja Deus louvado!



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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