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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 12 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 12

Rangel Alves da Costa*


Quando o pai de Maria saiu da choupana para saber onde estava a filha, só avistou um vulto veloz correndo adiante, já sumindo por dentro da mataria.
O homem vociferou, estremeceu, avermelhou de raiva dos pés a cabeça, ficou com os olhos chispados e mãos que pareciam estridentes. Espumou pelo canto da boca, começou a fumaçar pelo nariz.
O homem balançou o corpo nervosamente e se preparou para sair em perseguição. Contudo, mesmo parecendo um cavalo arredio, sua correria não demorou muito.
Nem avançou cinco metros e caiu horrivelmente no chão. E foi realmente uma queda horrível, terrível, estrebuchadora, dolorida demais para quem ia numa velocidade estonteante.
Stribuummm! Ploft, pluummm! E o homem ficou esparramado no chão parecendo melancia quando cai ou jaca madura demais despencando do alto. Stribuummm! Ploft, pluummm! E o perseguidor todo estendido no terreno pedregoso e de mataria baixinha.
Maria não viu e nem podia ver, pois estava cumprindo seu destino de fugitiva. Mas a verdade é que só não foi alcançada facilmente por causa de uns cipós que se espalhavam pelo terreno defronte sua moradia.
Já tendo conhecimento de tudo e sabendo do desespero da menina em correria, os cipós não pensaram duas vezes quando o pai da menina quis correr por ali para alcançá-la. Só foi o homem abrir a perna para formar o vão do passo e os cipós se enroscaram no pé de trás.
O pé da frente esperou, porém o pé de trás não foi. E o resultado todos já sabem. Um homem com quase dois metros de altura, sem ser magro nem nada, vergonhosamente estirado no chão e sem poder se levantar.
Sem poder levantar porque os cipós não esqueceram de se entrelaçar nos dois pés quando o homem já estava estrebuchado.
E lá vai a esposa correndo, avexada, sem saber ao certo o que tinha acontecido com o homem. Não viu a história toda porque tinha sido impedida de sair da cozinha, sob ameaça.
Ao ouvir o baque da queda e depois alguns gemidos, não suportou ficar aprisionada e correu para ver se o pior tinha acontecido.
E quando viu o homem estatelado, querendo se mexer sem poder, gemendo feito um garrote laçado e jogado ao chão, pensou que ele havia tido um piripaqui, um ataque do coração ou qualquer coisa muito grave.
Com a queda o joelho do homem ficou afetado, por isso os gemidos. Mas gemia também de raiva porque não podia levantar de jeito nenhum. Quanto mais fazia esforço, mais o joelho doía e os cipós apertavam-lhe o calcanhar.
Assim que viu a esposa tentando ajudá-lo a levantar, a primeira coisa que disse, com o embrutecimento de costume, foi que podia se virar sozinho. A segunda foi perguntar por que havia saído da cozinha. E a terceira foi se tinha visto Maria.
A mãe respondeu que não e disse que quem deveria saber era ele, vez que estava com ela.
Já em pé, todo torto e estropiado, com o joelho machucado, disse que Maria havia escapado de suas mãos, havia fugido, mas que não tardaria de voltar pra casa, tinha certeza.
E quando ela voltasse ia ver com quantos paus se faz uma canoa, o que é bom pra tosse, ia sentir o que é o inferno em vida.
Cruz credo, homem, vire essa boca pra lá, tenha fé em Deus! Foi o que disse a esposa, toda medrosa pela reação que pudesse vir. E veio.
Já disse que não tenho filha para o mundo. Se ela resolveu conhecer outras coisas por conta própria, então vai primeiro conhecer a dor. E pelas mãos do próprio pai.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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