SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

BREVE HISTÓRIA DA FELICIDADE (Crônica)

BREVE HISTÓRIA DA FELICIDADE

Rangel Alves da Costa*


Felicidade é um lugar bem distante, lá no fim do mundo, onde mora um povo muito diferente dos demais povos conhecidos do planeta, onde a vida em nada se assemelha ao convívio que se observa nas demais sociedades.
O lugar tem características próprias, incomparáveis, com aspectos não encontrados em qualquer outro lugar. Quem nasce em Felicidade possui o gentílico de feliz mesmo, não de feliciano; quem é natural de Felicidade possui nacionalidade feliz, apenas isso. Feliz está em todos os sobrenomes, em todas as famílias, em todas as ruas, lugares e monumentos.
A religião de Felicidade é predominantemente felicidade praticante; a única entidade superior adorada e devotada por todos é o Deus da Felicidade; a padroeira do lugar é Nossa Senhora da Felicidade; os dias da semana, ao invés de serem compostos tendo feira ao final, são denominados segunda feliz, terça feliz e assim por diante. A mesma coisa ocorre com os meses, sendo que janeiro é a primeira felicidade, fevereiro a segunda, e assim todas as coisas.
Dizem que a história do lugar remonta aos tempos históricos mais esquecidos, de tão distante que data o primeiro passo humano que foi dado na região. Segundo relatam felizes historiadores, o primeiro habitante do lugar foi um tal de Feliciano Feliz. Homem pobre que chegou àqueles ermos esquecidos fugindo do reino da tristeza, que ficava mais ao norte de tudo.
Ao chegar ao local, Feliciano Feliz ficou maravilhado com tanta beleza, com a natureza encantadora, coisa que jamais viu igual. Um dia ouviu falar no paraíso e pensou que havia encontrado ele. Pomares por todos os lugares, com frutos bonitos e deliciosos; passarinhos cantando alegres de folhagem em folhagem; bichos passeando contentes e sem apresentar qualquer tipo de perigo.
Ali era tudo verdejante, com o clima propício para tudo na vida, nem muito frio nem muito quente, parecendo até que se amoldava às diversas situações. Árvores centenárias se misturavam à plantas miúdas, graciosas, muitas vezes floridas, com flores de todos os tipos e todas as cores. Tudo com o seu tempo de ser: chuva e sol no tempo certo, o vento fazendo o seu percurso sem estardalhaço, a noite e o dia cumprindo fielmente seus papéis de encantamentos.
Feliciano feliz só achava ruim uma coisa, que era uma tal de solidão que não agüentava mais. De tapera arrumada, sem faltar nada mesmo, e tudo feito com os objetos da natureza, faltava-lhe somente alguém ao seu lado, qualquer sorriso feminino que tivesse um corpo e o resto no coração. Um dia se ajoelhou e pediu a Deus uma presença feminina, mesmo sabendo que naqueles rincões não existia mulher alguma.
Depois disso foi tomar banho na cachoeira e antes de entrar na água percebeu a presença de alguém que saía bem de dentro da lâmina de água. Ficou sem reação diante de tanta beleza e viu se aproximar a mulher mais linda do mundo, parecendo índia, com feições de deusa, um misterioso ser de carne e osso que se aproximou dele e, após um sorriso encantador, perguntou se ele a estava esperando.
Foi amor à primeira vista. Ele jamais quis saber quem era ela nem de onde viera, mas amou no primeiro instante. E do mesmo modo ela se eximiu de fazer qualquer pergunta ou dar explicações. Só se sabe que não demorou muito e nasceu Feliciano Júnior, depois Feliz Felicíssimo e Feliciano da Felicidade.
Todos encontraram suas esposas na cachoeira e começaram a formar uma grande família. Com a falta de estranhos, primo casou com prima, até que de repente o lugar, batizado de Felicidade, já era uma povoação formada por muitos moradores, todos originários do sangue do velho Feliciano Feliz. Um dia o velho partiu sorridente. Não houve choro nem tristeza, mas felicidade pelo que aquele homem tinha significado para todos.
A povoação cresceu num passe de mágica. Todos vivendo felizes, trabalhando felizes, sem nada conseguir jamais afastar ao menos um pouquinho dessa felicidade. Hoje Felicidade é uma cidade imensa, enorme, mas inalcançável aos que pretendam visitá-la ou fixar moradia.
É que a felicidade existe, os felizes habitantes continuam por lá, mas um povo diferente, que mora do lado de cá, resolveu tudo fazer para dificultar o acesso a ela. Assim, ela existe, mas é cada vez mais difícil alcançá-la.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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