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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

TRÊS REIS MAGROS (Crônica)

TRÊS REIS MAGROS

Rangel Alves da Costa*


Como se percebe pelas ilustrações nos livros de episódios natalinos, os três reis magos da história bíblica – que talvez tenham sido sacerdotes ou astrônomos - eram corpulentos, bem apessoados, com grande disposição física, e isto comprova a empreitada que fizeram para homenagear o nascimento daquele menino em Belém.
Com efeito, conta a tradição cristã que Belchior, Baltasar e Gaspar, guiados pela estrela da natividade que anunciava a vinda ao mundo do menino Jesus, seguiram do leste rumo ao local da manjedoura para dar as boas-vindas ao Salvador, e lá depositaram seus presentes: ouro, significando a realeza; incenso, representando a fé; e mirra, representando a imortalidade.
Eram muito diferentes, pois, de outros três reis que se tem notícia, que ao invés de magos eram magros. E magros na inteira concepção da palavra, pois eram esqueléticos, raquíticos, ossaturas vestidas em frangalhos, coisa de causar dó a quem os olhasse na sua caminhada pelas terras esturricadas de um outro Belém. Seguiam suados, famintos, sedentos, cansados e desesperançados, e ainda por cima debaixo de um sol de mil fornalhas crepitantes.
Os três reis magros cortando as terras sertanejas, diferentemente daqueles outros três citados pelo evangelista Mateus, não levavam nenhum presente, não iriam reverenciar ou agraciar ninguém. Muito pelo contrário, o nascimento em que eles estavam envolvidos era mais um fugir da morte. Seguiam debaixo do sol a pino com a intenção de pedir na cidade qualquer alimento que pudesse afastar por instantes a fome dos seus.
Eram três os reis magros. Bastião carregava um saco vazio nas costas, implorando aos deuses das caatingas e ao Deus maior de toda sorte que alguém de mais posses colocasse ali dentro um pão dormido, uma farinha de milho ou um pouco de qualquer coisa.
Niceto levava um pequeno cesto de cipó na cabeça, também esperançoso que alguma mão bondosa colocasse ali um punhado de arroz, um tiquinho de feijão e, com a graça divina, um pedaço de mortadela.
O último, Beraldo, que era o mais triste dos três, não levava nada não, apenas a vontade de pedir e a desconfiança de que não conseguiria nada daquela vez, como ocorreu nas outras vezes, que teve de se humilhar atrás de um remédio para amarelão. O prefeito disse que só tinha remédio para vermelhidão, lascando-se a gargalhar em seguida.
Aos saírem de suas taperas, em terras muito distantes, nos escondidos do fim do mundo, deixaram suas famílias desalentadas em frente ao barro carcomido pelo tempo e pela impiedade da natureza.
Tudo parecia que iria cair: os barracos na próxima ventania, os meninos a qualquer dia, as senhoras não se sabe até quando suportariam em pé. Quem olhasse para os meninos via somente um monte de cambitos e ossos e uma barriga descomunal, emoldurando as feições marcadas pela fome e tristeza.
Nem os meninos nem as mulheres sabiam, mas os três reis magros seguiam rumo à cidade em plena véspera de natal, no dia em que as comemorações, as trocas de presentes e as comilanças são vastas e até exageradas. Carneiros, porcos, perus, galos e galinhas, carne de todo tipo, é um festim que faz parecer que todos vivem em eterna bonança.
Ora, mas que dia mais inapropriado para esmolar na cidade. No dia da troca de presentes, as pessoas só pensam nos presentes e não têm tempo pra dar atenção a pobre. No dia de fogões entupidos e fornos soltando sabores pelos ares, ninguém vai querer saber da fome dos outros. No dia de se comemorar o natal não era momento para se entristecer com a angústia e pobreza dos outros. Se ao menos fossem levar presentes, mas foram logo pedir qualquer coisa...
E os três reis magricelas fizeram o caminho de volta. Não conseguiram nada na cidade, mas cada um levava um presente para os seus: a fé, a esperança e o amor.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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