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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 18 (Conto)

A SOLIDÃO E A ÁRVORE - 18

Rangel Alves da Costa*


Assustada, a esposa e mãe não sabia se seguia até a porta para receber os dois ou se iria se esconder pelos cantos ou embaixo da cama.
Muitas vezes, a escuridão entre o barro batido e o varal da cama foi o único refúgio encontrado para se esconder do marido em instantes de absurdez.
Não foram poucos os instantes que pensou em deixar aquela vida desgraçada de vez. Não suportava mais ser humilhada, viver feito bicho, subjugada pelo marido em todas as situações.
Certa feita teve que correr pelos matos para fugir da faca afiada do marido, e só porque havia dito ao homem que naquele dia não teriam feijão para ser servido à mesinha.
No dia anterior ele já havia sido informado que não havia mais feijão, nem mesmo um restinho com gorgulho. Não providenciou o legume que dá força ao sertanejo e deu no que deu.
Assim que a mulher botou o preá frito na mesa, a farinha, a moringa d’água e o caneco de alumínio, mas disse que não tinha o feijão, então o homem virou a mesa com comida e tudo e foi pegar a peixeira.
A mulher desabou a correr no mundo, se escondeu pelos matos e só voltou no meio da noite, pé ante pé, torcendo que ele estivesse mais calmo e principalmente por causa da filha, que encontrou chorando baixinho.
Em certas ocasiões pensou em seguir pelas veredas sem destino e deixar aquele brutamontes jogado à própria sorte. O destino que ele merecia não era outro senão acabar os dias no abandono.
Nunca seguiu tal intento porque não iria deixar a filha entregue à sorte do mundo e aos caprichos cruéis do homem que se dizia pai. Deixá-la sozinha com o pai seria o mesmo que enterrá-la viva.
Outras vezes tencionou em fugir levando a menina consigo. Já que não a deixaria ali sozinha de jeito nenhum, então a filha teria que seguir o mesmo destino da mãe.
O problema era que quanto mais pensava nessa possibilidade, mais se enchia da certeza que seria muito pior, pois o marido sairia atrás como um cão farejador e as encontraria a qualquer custa.
E quando as encontrasse seria a desgraça maior. Se já viviam como escravizadas, ao retornarem talvez fossem amarradas com cordas cujo tamanho não desse para chegar até a porta.
Triste sina a sua, pensava de vez em quando. Contudo, tinha certeza que o homem era daquele jeito somente porque vivia com o coração apertado demais. A pedra também sentia; o ferro também queimava.
Coração apertado demais porque queria ter um mundo somente dele e sua família e sabia que não conseguiria manter aquela situação por muito tempo.
O problema maior era o amor em demasia pela filha que o fazia ficar quase enlouquecido diante da ideia de que ela já estava mocinha, teria que sair daquela vida, teria que viver.
Pelo amor demais que sentia, tentava protegê-la de uma forma dolorosa. Tinha medo de sua filha no mundo, tinha medo que sua filha um dia saísse de casa, abandonasse os pais e, o que era pior, arrumasse um namorado e casasse.
Por isso mesmo é que sempre a deixou distante do mundo, aprisionada na sua própria casa, vivendo a infância e a mocidade dentro de um quarto velho e empoeirado, onde só tinha uma janela para avistar e sonhar com o mundo lá fora.
Por isso mesmo é que nunca deixou que ela estudasse, saísse de casa, fosse visitar a cidade, conhecesse pessoas, conversasse com elas. Tinha medo e ciúme de tudo.
Mas um dia seria impossível continuar com Maria dentro dessa fortaleza imaginária, ele bem sabia disso. E por isso mesmo essa loucura toda, esse medo enlouquecedor de que a porta da casa servisse como estrada para a mocinha.
Agora não tinha jeito. Haveria de tomar uma decisão.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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